08/11/2007

Também temos que a culpar!

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EDUCAR É CONTRARIAR
Maria José Nogueira Pinto
jurista
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Esta fórmula simples era usada pela minha tia e provocava-nos, a nós crianças, os piores sentimentos. Já o povo dizia que de pequenino se torce o pepino. O tempo deu-lhes razão! Toda a polémica em torno de duas questões - o ranking das escolas e o novo regime de faltas - obriga a refrescar a memória sobre quais foram, nos últimos trinta anos, os pressupostos filosóficos do modelo educativo português.
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O primeiro e o mais nocivo é o princípio rousseauniano da criança boa, ou boazinha, ou tendencialmente boazinha. Daqui decorre a ideia peregrina de que a escola tem de ser um sítio divertido e os professores uns amigalhaços.
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O segundo princípio é o da absoluta igualdade entre todas as crianças. Se a todos devem ser dadas, igualmente, oportunidades, isso não significa que todos, igualmente, as aproveitem. Ao não se querer estabelecer diferenças, optou-se por um nivelamento medíocre, em vez de dar a mão aos mais problemáticos sem tolher os melhores.
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Durante trinta anos, diabolizaram-se os valores da autoridade, do rigor, da exigência e da disciplina. O esforço e o mérito, factores que diferenciavam os melhores dos piores, foram tidos como uma ameaça à pureza dos dogmas da bondade natural e da igualdade.
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O modelo educativo, objecto de sucessivas tentativas experimentalistas, foi-se reduzindo à mais elementar expressão: uma educação sem memória, métodos simplificados, todo o esforço removido, um excesso de especialização roubando qualquer perspectiva de conjunto, noções fragmentadas sem referência a qualquer pano de fundo. O pensar, o exercício sistemático do raciocínio, o ginasticar do cérebro como única forma de o fortalecer, tudo isso era contra-indicado: aborrecia os alunos, acentuava as diferenças, revelava o potencial e o esforço de uns e o desinteresse ou incapacidade de outros, o mérito e o demérito.
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A título exemplificativo, imaginemos como se sairia, hoje, um aluno de dez anos de idade, se submetido a provas idênticas às que enfrentámos nos exames de admissão às Escolas Técnicas e aos Liceus. Decerto não as superaria. Por ser menos inteligente? Não. Por não ter sido capacitado para tal.
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O objectivo deixou de ser o de educar e ensinar. A escola tornou-se um entreposto de todos os problemas, desde os meramente burocráticos até aos eminentemente sociais. Sobre o emaranhado legislativo, as instalações sem condições e a falta de orçamento, caíram as circunstâncias dos próprios alunos: a fragilidade das redes familiares, a solidão, os comportamentos aditivos, a pre-delinquência, o abandono.
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Politicamente, não foi relevante saber se se estava a produzir iletrados ou se muitos dos alunos faziam da escola um mero local de passagem. Politicamente, o mais importante eram as estatísticas e os indicadores. Para cumprir estes desideratos impunha-se que todas as crianças estivessem inscritas numa escola. Mesmo que a frequentassem pouco e mal.
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Comparar o ensino privado e o ensino público, hoje, é comparar o incomparável. O ensino público português formou gerações e gerações com excelente qualidade. Eu frequentei o ensino público, os meus filhos frequentaram o ensino público. Mas, actualmente, as circunstâncias específicas das escolas públicas, que não podem fechar-se à massificação, não podem selecionar os seus alunos, se desgastam a resolver problemas a jusante e a montante, não têm autonomia organizativa e reflectem as ameaças da sua envolvência externa, impedem-nas de disputar rankings.
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Tudo isto é óbvio. Desperdiçámos muito do nosso capital humano ao mergulhá-lo num caldo de cultura laxista, bacocamente tolerante e permissiva, que infantilizou as crianças e os jovens. Mudar é quase um acto revolucionário, é ontológico e do domínio da filosofia dos princípios. Não vale a pena culpar a ministra. Melhor será perceber que a educação não é um problema governamental. É, certamente, um problema nacional com culpas partilhadas. E de díficil solução.
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Sim! Maria José tem razão! Tem razão em quase tudo o que diz, incluindo a necessidade de toda a sociedade assumir como culpa sua o estado do ensino. Cultivar uma sociedade permissiva a nível de atitudes, costumes e conhecimento, passando pela exigência de um sucesso fácil não conduz de forma alguma à construção de um país que se respeite internacionalmente.
Só não lhe reconheço razão quando diz que "não vale a pena culpar a ministra". A ministra tem culpa, não apenas como elemento da sociedade, mas porque preferiu ir pelo caminho mais fácil: culpar os professores, dar razão aos alunos, desresponsabilizar ainda mais os pais e os filhos do cumprimento dos seus deveres tanto no que se refere aos comportamentos como ao estudo, estar de bem com uma opinião pública que desinformou totalmente.
A ministra tem culpa porque não analisou profundamente as razões do insucesso. A ministra tem culpa porque não quis resolver o problema do ensino, preferindo arranjar maneiras de maquilhar o insucesso e o abandono. A ministra tem culpa porque preferiu arrastar os professores pela lama, crucificando-os em nome de um sistema dos quais são apenas cumpridores, muitas vezes para além do que lhes é exigido e muitas vezes, também, contrariando normas "superiores" que impediram que o caos fosse ainda maior (e não são as suas palavras de agora, que não se reflectem nas suas acções, exprimindo a necessidade de dignificar os professores que vão limpar toda o fel que despejou sobre eles, devolvendo-lhes uma imagem que tanto se esforçou por desfazer). A ministra tem culpa porque continua a "desvalorizar" (atitude tão querida dos nossos ministros e OCS de hoje) as informações sobre a escola real preferindo trabalhar com números e estatísticas que não transmitem a realidade das escolas. A ministra tem culpa porque só quis atacar os problemas orçamentais e de estatística, mascarando isso sob a capa de uma reforma da educação. A ministra tem culpa porque não sabe nem quis saber qual é o problema real do ensino.
Sim! Ela tem culpa e muita! Tem culpa porque, tendo o poder, preferiu usá-lo de forma errada!

03/11/2007

Ministro do Trabalho e Solidariedade Social manda "recado" à Ministra da Educação?

O ministro do Trabalho e Solidariedade Social manifestou, ontem, o seu empenho no combate à concorrência desleal que faz uso do trabalho clandestino e ilegal. No encerramento de um fórum da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Lisboa, Vieira da Silva defendeu que não é possível conseguir crescimento económico sustentável sem emprego "digno".O que se designa como "trabalho digno" é, segundo a OIT, a actividade laboral desenvolvida em condições de "liberdade, equidade, segurança e dignidade humana". O ministro admitiu que existem em Portugal "alguns segmentos minoritários" que se afastam daquela definição. "Seria irresponsável dizer que não há, em Portugal, situações que não devam ser corrigidas", afirmou.
Vieira da Silva sustentou que "sem trabalho digno, as sociedades não ganham cidadãos, não ganham consumidores e os Estados não ganham capacidade de actuação e regulação para a melhoria das condições". Por este motivo, sublinhou, "perdem-se os efeitos acumuladores do crescimento económico". O ministro entende que o conceito de trabalho digno tem impacto na "sustentabilidade financeira, económica e social" dos países, incluindo nos mais desenvolvidos.

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Recordo que há centenas de professores com horários reduzidíssimos. Mas, infelizmente, não era a esse "trabalho indigno" que se referia o ministro...