28/08/2009

Mais valia reprovar

A abertura da escola pública a todos afastou dela as classes de maiores posses. Isto acabou por transformá-la num factor de exclusão social

O governo apresentou esta semana os números relativos às taxas de insucesso escolar em 2008/2009. Segundo os jornais, a retenção - vulgo "reprovação" - diminuiu quase para metade nos últimos quatro anos, cifrando-se agora em 7,7% no básico e em 18% no secundário. Para o primeiro-ministro, aqueles que consideram que estes resultados são um produto do facilitismo estão a insultar os professores, os alunos e as suas famílias. No entanto, os próprios professores, os alunos e as suas famílias não terão qualquer dificuldade em reconhecer que esse mesmo facilitismo se instalou, paulatinamente, no nosso sistema de ensino.
O sucesso de um sistema educativo mede-se por testes internacionais que permitem a comparação entre diferentes sistemas, e não pela diminuição das taxas de reprovação. A associação do sucesso escolar à mera passagem de ano é apenas um dos muitos reflexos da ideologia que fez passar a escola de um lugar para aprender num instrumento de inclusão social. É da mais elementar honestidade admitir que a origem desta ideologia é o pensamento da esquerda e uma visão irreflectida das implicações do ideal de igualdade. No entanto, o sucesso da ideologia da escola inclusiva foi tal que ela se tornou politicamente transversal. Um dos principais responsáveis pela sua propagação no nosso sistema de ensino foi Roberto Carneiro, um político da direita conservadora e que ainda ontem veio, sem surpresa, aplaudir publicamente os resultados apresentados pelo governo.
Porém, mais cedo ou mais tarde teremos de nos confrontar com a realidade: na situação a que as políticas da escola inclusiva conduziram o sistema educativo, ele deixou de ser um trampolim para os desfavorecidos pela lotaria social. Pelo contrário, a inclusividade da escola levou as classes altas e médias a trocar o sistema público pelo privado ao nível da educação pré-universitária. O resultado final deste processo é um típico efeito perverso: a transformação da escola pública, que pretendia promover a inclusão, num factor de exclusão social.

Em vez de insistirmos na desastrosa instrumentalização da escola em nome da inclusão social, devíamos defender o ideal da escola pública como "elevador social".
Felizmente, a variação genética é bastante democrática e a inteligência e os talentos tanto podem nascer na Quinta da Marinha como no Casal Ventoso. No entanto, para dar oportunidades tendencialmente iguais a quem não nasceu em berço de ouro é necessário que os mais desfavorecidos pela lotaria social tenham acesso, desde tenra idade, a uma educação vigilante, exigente e meritocrática. A adopção destes princípios teria grandes implicações: objectivos de aprendizagem mais robustos, divisão dos alunos e turmas de acordo com os ritmos de aprendizagem e até, imagine-se, a horrível ideia de que, em muitos casos, mais valia reprovar.

Professor de Teoria Política