24/09/2006

Ideologia, Retórica e Democracia

Público, 24 de Setembro de 2006

António Paulo Costa
Professor de Filosofia do Ensino Secundário

Durante o Debate Nacional sobre Educação que teve lugar no Parlamento, em 22 de Maio último, José Sócrates afirmou que a Educação precisa de "menos ideologia" e de "mais resultados". Inspirada pelo seu timoneiro, Maria de Lurdes Rodrigues afirmava no Fórum da Maia, uma semana depois, que os alunos obteriam "melhores resultados se a escola se oferecesse como um espaço de saber-fazer e não só de retórica". Eleitas a "ideologia" e a "retórica" como obstáculos ao obstinado fazer -- sem saber -- com que marcará a sua transitória estadia na 5 de Outubro, cabe perguntar quão asséptico é realmente este ministério em matéria de retórica ou de ideologia.

Senão vejamos: numerosos professores com habilitação académica e profissional para leccionar áreas específicas (Matemática, História, Economia, etc.) estão a deparar-se, nas escolas, com a obrigação de ensinar disciplinas para as quais não têm a mais pequena qualificação: é assim que, na margem sul do Tejo, uma professora de Biologia lecciona Segurança e Higiene no Trabalho e, numa escola perto da Amadora, uma professora de Física ensina Organização de Armazéns. Em ambos os casos, trata-se de disciplinas integradas em cursos de Educação/Formação, que constituem a derradeira oportunidade para habilitar para a vida activa alunos com amplos historiais de reprovações. O quê, se não retórica, pode justificar que se atire para a frente de turmas difíceis professores sem formação, reconversão ou experiência de vida para leccionar tais disciplinas? Como poderão eles ensinar o que não sabem, nem têm obrigação de saber? Como poderá preservar-se a sua autoridade como docentes, a sua dignidade como profissionais e a sua integridade como pessoas sabendo-se executores de um logro? O que aprenderão os seus alunos?

Mudemos de latitude. Enfastiada com a inconsequência das sanhas reformadoras dos seus antecessores, Maria de Lurdes Rodrigues declarou, no programa Prós e Contras de 18 de Setembro último, que "o país não aguenta mais reformas educativas". Há uma que aguentávamos bem: a do próprio Ministério da Educação. Nele habitam, por usucapião, hordas de técnicos que, independentemente da sua competência, fazem valer um poderzinho de retaguarda que o seu tempo de ocupação dos gabinetes, que supera largamente o dos ministros, sedimenta por natureza. E são muitos deles que asseguram que a ideologia "eduquesa" singre, em casual encontro de interesses com a obsessão fazedora da titular da pasta. Ter ideias ou agir segundo ideologias não é crime, note-se. Mas quando estes anónimos sem poder decisório formal, sem mandato concedido pelo povo e sem obrigação de sujeitar a escrutínio público as ideias que fazem valer administram, de facto, a Educação, estamos perante um totalitarismo de secretaria que é incompatível com a democracia. O que era uma ideologia educativa discutível torna-se, assim, uma ditadura educativa inexpugnável. Não há ministra -- obstinada ou não -- que lhes toque, não há argumentação que os persuada ou vença, não há voto que os eleja ou afaste.

No entanto, as ideologias educativas instaladas nos corredores do ministério lá vão, paulatinamente, apoucando o Conhecimento nos currículos e a exigência nas salas de aula, em favor de um "sucesso" e redução do abandono escolares para OCDE ver. Enquanto assobia para o lado em relação à 5 de Outubro, Maria de Lurdes Rodrigues engrossa a voz para impingir um ensino profissionalizante em que há biólogos a ensinar extintores ou físicos convertidos a fiéis de armazém; e elimina, no ensino científico-humanístico, exames nacionais atrás de exames nacionais sem sequer avaliar os resultados da sua implementação, como no caso de Filosofia, alinhando pela sanha reformadora que tanto critica. Se isto não é o casamento perfeito da retórica e da ideologia, com copo de água totalitário, o que é?

Escola Eslava de Imigrantes Russófonos

Já fui apelidado de várias coisas feias por me manifestar contra o pensamento pós-moderno do eduquês.

Bom, cá fica então uma amostra de fascistas, conservadores, retrógrados, sebenteiros, bolorentos e outras coisas mais.

23/09/2006

Da f...

"Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, exactamente pelas mesmas razões". (Francis Banard)

22/09/2006

Um pouco de bom senso

O editorial do DN de hoje introduz um pouco de bom senso na reunião de neoliberais presunçosos que decorre por este dias.

18/09/2006

Manuela Teixeira no DN

Uma entrevista a ler

17/09/2006

Carreira docente

Bom, antes do tempo previsto vou explicar aquilo que acredito ser o melhor para a carreira docente.

Todos os professores devem, por princípio, ganhar o mesmo. A diferenciação salarial deveria fazer-se de 4 em 4 ou de 5 em 5 anos em função da obtenção de méritos por parte do docente: mestrados, pós-graduações, cursos de especialização, exercício de funções no ensino superior/universitário,trabalho reconhecido em grupos de estudos e associações profissionais, orientação de estágio, etc. Em cada período de 5 anos se algum(ns) deste(s) critério(s) for(em) correspondido(s), o seu vencimento aumenta cumulativamente; caso contrário, mantém-se durante esse período de 4/5 anos. Este sistema premeia o mérito e reconhece a antiguidade: quanto mais tempo de serviço tiver um docente, maior é o seu vencimento.

Acabam-se as acções de formação: são inúteis e apenas servem para encher os bolsos a uns quantos (dispenso-me de dizer quem).

Tal regime renumeratório deveria aplicar-se apenas às novas vinculações e não aos professores pertencentes aos actuais quadros; e o salário de base seria equivalente ao do actual 7º ou 8º escalão.

Sobre o muito que tenho ido lendo e ouvindo ... estou triste!!!

Estou cansada … muito cansada!
Este cansaço resulta especialmente de sentir-me demasiado desiludida com tudo e com todos.

Desiludida com a tutela que, incapaz de reconhecer os erros das suas permanentes medidas de “inovação”, tenta emendar erros com mais erros e descarrega todo o seu fel insultando os professores.

Desiludida com a tutela que me atacou, na minha dignidade profissional, chamando-me incompetente e não cumpridora.

Desiludida com os colegas que, na generalidade, preferem carpir mágoas na sala de professores, acomodando-se a tudo, em vez de lutarem pela reposição da sua dignidade.

Desiludida com os colegas que se dizem mais novos e se acham no direito de pôr em causa todo o trabalho dos mais velhos, imputando-lhes o estatuto de incompetentes, dizendo que só estão onde estão por causa da idade, desfazendo no trabalho de toda a sua vida.

Desiludida porque, estes colegas, que querem ser iguais aos mais velhos, como se estes também não tivessem tido os seus revezes e as suas lutas para chegarem onde chegaram, se acham no direito de os menosprezar, não dizendo fulano ou sicrano são incompetentes … mas sim, os mais velhos não prestam.
Esquecem-se que tudo o que tínhamos e que esta ME nos está a tirar foi resultado das suas lutas.
Bem ou mal conseguimos alguma dignificação da carreira … de tal maneira que tantos quiseram ser professores!
Bem ou mal, tentámos a dignificação da progressão na carreira. O ME não permitiu, nem regulamentou mais do que o que existe. Não foi falta de insistência da classe.

Desde o meu 1º ano de efectivação que sou das professoras mais antigas das escolas por onde tenho andado. Continuo a ser, apesar de continuar a haver colegas muito mais velhos! Porquê? Porque os outros professores não eram efectivos. Porque professores, quase à beira da reforma, não eram do quadro. Porque não havia cursos para professores (o meu era o único que existia) e não abriam estágios. Os cursos para professores apareceram muito depois do 25 de Abril, embora tivessem aparecido uns ramos educacionais entretanto

Porque tal como agora, não efectivavam os professores. Mas agora queixam-se que ocupámos os quadros e não têm emprego! Queixam-se das regalias que tivemos e não têm. Recebíamos desde o dia de contrato até ao último dia de aulas. Contava-nos o serviço ao dia. Não havia recuperação de tempo de serviço se fossemos colocados mais tarde. Éramos eventuais!!!

Viram-se contra os colegas, mas não se viram contra o Estado que não cumpre o que impõe aos privados: efectivação ao fim de 3 contratos. Não deixam os professores reformar-se – neste momento, muitos, cansados da ignomínia a que estão sujeitos, fá-lo-iam de imediato. Que sugerem? Matam-se os professores existentes, para abrirem vagas?! Acham que é por aí? Ou acham que se lhes baixa o ordenado para ficarem todos iguais e agora obrigam-se, em pé de igualdade com os mais novos, a irem prestar provas e fazer mestrados ou doutoramentos para que a seriação seja real?!
Há qualquer coisa que me escapa nesta ânsia de deitar abaixo os mais velhos!!! Há qualquer coisa que me magoa muito! Nem quando fui das mais novas, coloquei em causa a competência dos mais velhos. Sabia que este ou aquele dos mais velhos era incompetente, como também sabia que aquele mais novo o era. Nunca tomei a árvore pela floresta. (Às vezes considero-me uma pessoa estranha neste mundo selvagem!) No entanto, agora vejo a raiva, vejo o deita abaixo constante… não porque tenham observado, apenas pela generalização, apenas porque “eles estão lá e nós não estamos”.
Estou desiludida porque uma classe que está a começar a pautar-se por estes valores, uma classe que, mais do que nunca, se está a tornar autofágica, não tem futuro como construtora de futuros cidadãos saudáveis.

Sobre o sistema de avaliação que existe e a tal “progressão automática” de que nos acusam e à custa da qual também nos querem penalizar, quer a tutela, quer os professores mais novos, vou só dizer umas coisitas para que compreendam a sua existência e deixem de nos culpar por ela.

A imposição "daquelas" acções de formação foi obra do ME contra a proposta de valorização pessoal apresentada pelos sindicatos (estes queriam que fosse valorizada a formação consistente que se ia fazendo - doutoramentos, mestrados, especializações, cadeiras específicas em universidades, pós-graduações, etc).

Contra isto, aproveitando os dinheiros do PRODEP e vendo neste facto uma maneira de ficar com alguns dinheiros para si o ME institui-se como formador e tornou as suas acções forma de avaliação.
Neste ponto das avaliações/progressões ficou muita coisa por legislar e regulamentar, já que apesar da insistência dos sindicatos o ME não o quis fazer.
Neste momento (e isto vem de há 2 ou 3 anos), as verbas do PRODEP começaram a diminuir e assim que isso começou a acontecer o ME começou a dizer que aquelas acções não serviam (facto que todos sabíamos e que todos tínhamos contestado).

Agora acusam-nos de sermos nós a não querermos ser avaliados... o que não é, nem nunca foi verdade.

Muitos professores foram fazendo a sua valorização pessoal, não só a que resulta de pesquisa e de actualização, mas também a que resulta de uma série de acções não contempladas, nem valorizadas para a progressão. A maioria dos professores não se limitou às acções impostas… mas disso ninguém sabe porque não contam para nada, a não ser para o próprio. Muitos professores deram aulas no superior/universitário. Muitos professores trabalharam em grupos de estudos. Muitos professores trabalharam em associações profissionais. Muitos professores desenvolveram, nas escolas trabalhos pioneiros e de mérito. Muitos professores orientaram estágio, dentro e fora da escola. Muitos professores leccionaram as didácticas específicas. Muitos professores… Tudo isto foi feito, tudo isto contribuiu para elevar a condição do sistema educativo, tudo isto contribuiu para a valorização profissional, tudo isto contribui para o enriquecimento cultural, científico e pedagógico pessoal e das escolas … mas tudo isto foi posto de lado. Tudo isto pertence ao currículo de muitos professores, mas tudo isto não conta para a sua progressão. No entanto, agora acusam-nos de progredirmos apenas com as acções. Que culpa temos nós de não nos terem valorizado todo o trabalho desenvolvido? É por isso que somos incompetentes?!

É pena que falem do que os mais velhos fazem ou não fazem, sem saberem do que falam … que nos culpem das incompetências e omissões do ME.
Os professores sempre quiseram uma avaliação… mas sempre quiseram uma avaliação digna e coerente com a sua valorização profissional e com o mérito... e continuam a querer!!! Os professores sempre quiseram separar o trigo do joio… nunca nos foi permitido!!! Não nos acusem a nós, mais velhos de incompetência, de termos “subido” sem avaliação, de estarmos onde estamos sem termos prestado provas. É indigno de quem o faz e é indigno de quem sofre essa apreciação. Há professores maus… há! Mas não são assim tantos como querem demonstrar.

Não me acusem, agora, de ir ser equiparada (!!!!) a titular . Sim, porque, apesar de ter atingido o topo da carreira, agora não me parece que passe disto! Se acham isto dignificante para quem tentou dar tudo o que podia pela profissão e ainda é insultado por ir ter uma coisa que não pediu (e que acha que não deve ser assim), continuem... continuem a dizer mal dos colegas e não se virem contra o ME! É tão mais fácil bater no colega do que contestar os “patrões”!!!!

Sobre o que os professores não querem (ou não deveriam querer):

Os professores não querem um sistema de quotas, em que, se seguirem o mesmo sistema que impuseram em todos os organismos da FP (SIADAP), entre cada 20 professores, só 1 pode ser excelente e 4 muito bons. Se não concordo com este sistema para as outras profissões muito menos concordo com a sua aplicação aos professores (analisem bem este tipo de avaliação: os objectivos em que se baseiam, as condicionantes da avaliação, a relação “secreta” entre avaliador e avaliado, o que acontece se houver mais do que um avaliador a considerar o seu avaliado excelente, etc – e depois digam-me se isto é um sistema de avaliação que dignifique o trabalho e promova o mérito).

A avaliação dos professores não pode ficar dependente de exames feitos por colegas do ensino superior, que já demonstraram, à saciedade, desconhecer por completo o funcionamento e as interacções existentes nas escolas, não pode ficar dependente dos professores saberem ou não as últimas teorias, que na maioria dos casos não são aplicáveis nas escolas reais, e também não pode ficar dependente de inspectores (caso dos coordenadores) que apenas podem constatar cumprimento dos deveres.

Parece-me que alguém que entre para uma carreira sem que esta tenha um incentivo, por menor que seja, ou mesmo por errado que seja, de ir progredindo… uma carreira em que todos sejam iguais desde que entrem até que saiam… uma carreira em que apenas tenha uma diuturnidade de 5 em 5 anos, sem outro objectivo que não seja o de “ir andando” não chega a lado nenhum. É uma carreira condenada ao fracasso, em termos de incentivo à produção e à valorização do funcionário.

Avaliar pela valorização pessoal e profissional é (seria) fácil, no entanto, avaliar pelo mérito, numa profissão em que o “produto” não tem a ver com produção de um “artefacto” mas sim com os resultados obtidos pelos alunos torna-se muito difícil. O mérito não pode ser resultado das tabelas de sucesso/insucesso dos alunos (como pretende o ME)… os professores mais exigentes seriam sempre prejudicados.

Portanto, no que respeita à avaliação, para além de determinar em que medida a valorização profissional e pessoal contribuem para a progressão, há que estabelecer indicadores que determinem o mérito de um professor?

Esta é que é a questão que deve ser analisada! É sobre este assunto que nos devemos debruçar, em vez de andar a tentar demonstrar a incompetência dos outros.

15/09/2006

Uma pergunta

Na sequência de uma série de conversas informais que tive nos últimos tempos, e nas quais várias pessoas exprimiram pontos de vista muito interessantes, lanço daqui um repto aos leitores, se é que os há, deste blog:

Existe algum argumento que justifique o actual sistema de escalões de vencimento dos professores? Ou seja, existe alguma razão para o facto de se subir na carreira (e no vencimento) em função da antiguidade?

Agradeço respostas sérias e construtivas.

14/09/2006

Justiça nos vencimentos

Como salientou a colega f... num comentário de um post anterior, não me parece que tenhamos grande coisa a ganhar em virarmo-nos uns contra os outros, como quer a Ministra, alegando que "os mais velhos isto" ou "os mais novos aquilo". Bons e maus profissionais existem em todas as classes e a percepção do que é um mau profissional varia muitas vezes de acordo com percepções subjectivas que temos da pessoa em questão.

Mas há um ponto que é importante: trata-se da igualitarização dos professores. Não há nenhum mecanismo que permita premiar o mérito, seja ele de colegas novos ou colegas mais antigos.

O actual sistema é igualitarista: desde que entre na carreira, o professor vai subindo de escalão em função da idade. Se alguém me disser que não é bem assim porque tem de cumprir créditos de formação, respondo desde já: treta! As acções de formação são uma grandessíssima treta e os professores deveriam ser os primeiros a exigir que elas acabassem. Só contribuem para a indignidade da carreira docente, e dispenso-me de explicar porquê.
Portanto,, no actual sistema tanto faz que o Professor X seja mais ou menos aplicado, consiga melhores ou piores resultados, seja ou não portador de um mestrado na área de leccionação ou em áreas pedagógicas, seja ou não portador de outros cursos de valorização profissional relacionados com a profissão. Tudo o que interessa é que dê as suas aulinhas e contribua para enriquecer as entidades "formadoras".

Num sistema não igualitarista, independentemente da idade do sujeito, ele seria abonado não em função da idade mas em função dos outros factores - e não apenas aqueles que mencionei. Mas isso implicaria, entre outras coisas bastante complexas, começar praticamente do zero: atribuir a todos o mesmo vencimento independentemente da idade e só então estabelecer diferenças em função de uma avaliação do mérito de cada um.

13/09/2006

Contas feitas...

Relacione-se a notícia transcrita no post anterior com estes cálculos feitos pelo SPN:

Em números redondos, e por defeito (valores de 2005) os Docentes vão perder com a proposta de ECD do ME, até ao fim da carreira:

· 4º Escalão - entre 40 e 60 mil contos

· 5º Escalão - entre 35 e 58 mil contos

· 6º Escalão - entre 32 e 56 mil contos

· 7º Escalão - entre 25 e 55 mil contos

· 8º Escalão - entre 20 e 50 mil contos

· 9º Escalão - entre mil e 15 mil contos


E acrescento isto:

Os dados divulgados publicamente sobre o estado da Educação nos países da OCDE, confirmam o que a FENPROF tem afirmado e contraria o que o Governo gostaria que fosse verdade: os salários dos professores e educadores portugueses situam-se abaixo da média dos de outros países.



Na verdade, o estudo agora divulgado refere que no ingresso na carreira e nos escalões intermédios, os salários dos docentes portugueses situam-se abaixo da média dos salários praticados nos países da OCDE e só no final ultrapassam esse nível médio. Contudo, e isso não é referido mas corresponde à verdade, ao longo de toda a sua vida profissional (actualmente de, pelo menos, 40 anos de serviço) os professores e educadores em Portugal auferem um rendimento inferior ao da média dos seus colegas de outros países.



Releva ainda o facto de, em Portugal, o acesso ao topo da carreira demorar mais anos para ser atingido do que acontece, em média, nos países da OCDE (26 em Portugal e 24, em média, na OCDE). Apesar dessa desvantagem, os docentes portugueses vêem-se agora confrontados com uma proposta do Governo que pretende aumentar para 32 essa duração e restringir a um universo muito pequeno (entre os 10 e os 20% dos docentes) o acesso aos três níveis remuneratórios mais elevados, o que não acontece nos restantes países.




Por fim, quanto a um eventual aumento dos salários no início de carreira, é uma ilusão criada pelo discurso demagógico da Ministra da Educação que compara o incomparável. Na verdade o que se prevê é a eliminação dos escalões mais baixos (1º e 2º) por se referirem exclusivamente a docentes "bacharéis" que, por força da alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1998, deixaram de existir em princípio de carreira, porque apenas nela ingressam os docentes habilitados com o grau de licenciatura.



Amanhã, dia 14 de Setembro, na Conferência de Imprensa que a FENPROF promoverá no Porto (sede do Sindicato dos Professores do Norte, pelas 16.00 horas), os aspectos salariais, como outros relacionados com a revisão do Estatuto da Carreira Docente serão devidamente esclarecidos com dados que permitirão compreender que atrás do discurso dos responsáveis do ME e dos dados que apresentam de forma distorcida, está a intenção de avançar com um projecto de revisão do ECD que levaria, a ser aprovado, à desvalorização real e muito significativa dos salários dos professores e à perda de direitos importantes e inalienáveis, alguns com consagração constitucional.

Governo quer diminuir desigualdades salariais na carreira dos professores

Notícias destas costumam trazer "molho"... Aguardemos, pois.

A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, disse hoje, em Chaves, que o Governo quer diminuir a desigualdade entre os salários que os professores portugueses recebem no início e no topo da carreira, aproximando mais as remunerações.

Os professores portugueses estão entre os que menos recebem no início da profissão, segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre as remunerações dos docentes dos 30 países, mas estão no topo da lista dos mais bem pagos quando atingem o topo da carreira.

"Quando se fazem as comparações internacionais da estrutura salarial dos nossos docentes, o que se percebe é que no início de carreira, os professores têm um salário baixo e um topo de carreira têm um salário mais elevado que os professores de outros países do espaço da OCDE", referiu Maria de Lurdes Rodrigues.

Por isso mesmo, o Ministério da Educação quer "reduzir esta desigualdade, aproximando justamente os salários dos professores em início e no topo carreira".

08/09/2006

Professores portugueses no topo dos vencimentos da OCDE


Os professores portugueses são os terceiros mais bem pagos no ranking dos 30 países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE),

Tendo como valor de referência o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de cada país, Ben Jensen disse que, de acordo com dados de 2003, Portugal só é ultrapassado pela Coreia e pelo México.

Os dados relativos a 2004 serão conhecidos na próxima terça-feira, mas, segundo o especialista, são «idênticos» aos de 2003.

Ben Jensen está no Porto a convite da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) para participar no Fórum «Uma visão desafiante para a profissão docente do Século XXI», que hoje decorre.

Em declarações aos jornalistas, o especialista frisou que, «em Portugal, os salários dos professores estão bastante altos», referindo também que, em relação ao número de alunos por turma, o nosso país está igualmente «bem colocado».

Neste parâmetro, Portugal ocupa o 9º lugar na lista dos países com turmas mais reduzidas, tendo em média 20 a 25 alunos.

Contudo, em relação aos níveis de escolaridade, Portugal mantém- se abaixo da média dos 30 países.

Um dos factores que, em seu entender, poderá contribuir para esta realidade é o «contexto social» em que os alunos se inserem.

«Há programas especiais que podem ser implementados, especialmente para os estudantes que estão em desvantagem por causa do seu contexto social» e há, nesta matéria, «inúmeros bons exemplos na OCDE que podem ser seguidos por Portugal», sublinhou Ben Jensen.

Questionado pelos jornalistas,
revelou hoje, no Porto, Ben Jensen, responsável do departamento de estatísticas da educação daquele organismo.o secretário-geral da FNE afirmou que o leque salarial dos professores em Portugal é «excessivamente largo», sublinhando que «até mais de meio da carreira, os professores atravessam grandes dificuldades, porque têm de fazer grandes deslocações quando são colocados em escolas muito distantes da sua residência».

«Sabemos que o referencial que a OCDE está a utilizar é o dos professores em topo de carreira, mas não podemos deixar de ter em conta que a generalidade do professores desde o início até mais de meio da carreira tem remunerações muito baixas», disse.

Diário Digital / Lusa


Comentário meu: é injusto. Estou farto de me cruzar com indivíduos que não são avaliados, não são punidos e que, como se não bastasse, ganham muito mais do que eu. Portanto, venham daí exames de avaliação a TODOS os docentes e não apenas para os que entram na carreira.

Hoje mesmo ouvi o representante do sindicato dos magistrados a afirmar que concorda com a avaliação dos juízes. Os sindicatos de professores não têm, infelizmente, a mesma opinião. Tanto corporativismo até chateia...

04/09/2006

Avulsas

Do debate à volta do eduquês e do anti-eduquês, de Rousseau e Locke, de Nuno Crato e Durkheim, ficam-me algumas ideias avulsas na cabeça e que merecem desenvolvimento -- mas tempo é coisa que me falta para, por agora, ir mais longe na explanação desses pensamentos.

1. O que se entende po eduquês e anti-eduquês? Não serão conceitos vazios com os quais designamos coisas que nos agradam ou desagradam de um modo puramente impressivo? Que correntes ou posições teóricas queremos atingir quando nos referimos a esses conceitos?

2. A noção de ciências da educação que os professores recebem nas faculdades não será, ela própria, uma visão condicionada pelos professores que cada um teve? Lembro-me de ter passado três anos de faculdade, entre cadeiras pedagógicas e estágio, a ouvir falar de Montessori, Durkheim, Bernstein (menos, infelizmente...) e uma data de outros indivíduos cujo nome obnubilei da minha consciência. Em dois meses de um cursozeco de Formação de Formadores aprendi muito mais, mas mesmo muito mais sobre técnicas pedagógicas, definição de objectivos, planificação de aulas e didáctica do que na faculdade. Devo dizer, sem identificar obviamente as pessoas em causa, que tanto a senhora Orientadora de Estágio como o senhor Metodólogo eram autênticas nulidades, indivíduos que estavam ausentes no dia em que Deus os mandou fazer fila para receber um cérebro operacional. Esses insuficientes mentais que me/nos ensinaram (e peço desculpa pelo eufemismo) passavam a vida a dizer que só estavam naqueles cargos porque era uma maneira COMO QUALQUER OUTRA de subir na carreira. Faço-me entender? Não nutro qualquer tipo de respeito ou consideração por gente assim.

3. O livro de Nno Crato é apenas um "livrinho", isto é, um conjunto de crónicas mais ou menos referentes à literatura convencional acerca de coisas, as mesmas coisas que os professores discutem entre si na mesa de café ou numa ida furtiva à casa de banho. Mas espreme-se e sobra o quê? Bom, sobra um diagnóstico interessante e que merece ser discutido. Mas não pesno que deva fazer escola porque, só por si, também não apresenta soluções.

4. Irrita-me particularmente que se tente tirar ilações políticas sobre aquilo que se escreve. O facto de alguém se afirmar eduquês ou anti-eduquês parece conotar imediatamente a pessoa em causa com a esquerda ou com a direita -- e não vejo em que é que os proessores e aEducação têm a ganhar com um debate que, em vez de ser político, deverá ser epistemológico, filosófico, ideológico e científico. Ou académico, para dar seguimento ao meu post anterior.

5. Na sequência destas "avulsas", ocorre-me escrever que a influência do eduquês na escola se vê em coisas como a sua estrutura: concordo que Pais e EE, Alunos, Câmara Municipal, Funcionários e Forças Vivas do Concelho participem na Assembleia de Escola; mas o que raio estão os Pias e os Funcionários e os Alunos a fazer no COnselho Pedagógico? Afinal, quem são os técnicos de Pedagogia dentro da Escola? Não são os professores? Se são os professores, o que é que os supra-citados estão lá a fazer?

6. Já repararam que aqueles de nós que estão mais habituados -- ou apenas, como é o meu caso -- ao ensino secundário têm um discurso diferente daqueles que preferencialmente dão aulas ao Básico? Ou seja, que o discurso sobre educação e o seu papel no desenvolvimento dos seres humanos é diferente em função das experiências pessoais das quais partimos. Eu, que só dou aulas ao secundário e aos cursos nocturnos (com adultos, portanto), dou por mim a, consciente e inconscientemente a contextualizar o meu discurso unicamente nos níveis de ensino a que dou aulas. Ora, proponho que reflictamos sobre as nossas concepções de educação, os nossos discursos e que verifiquemos se grande parte da diferença de opiniões não reside na centração de cada um sobre o Básico (mais "eduquês") ou sobre o Secundário (mas "anti-eduquês")

Não tenho tempo para mais. Se o Tempo me favorecer, desenvolverei alguns destes factos avulsos.

Serão científicas as Ciências da Educação?

Não.

O "Escândalo Sokal" é um acontecimento histórico do final dos anos 90. Suscitou um aceso debate sobre os critérios de cientificidade do conhecimento humano. É necessário contextualizá-lo:
O processo de publicação de um artigo científico ou académico nas chamadas Ciências Humanas é bem conhecido: fazem-se mestrados e doutoramentos com base em trabalhos de investigação que, na sua esmagadora maioria, são traduções rasteiras de outros trabalhos publicados em Espanha; paga-se 400 a 1000 euros por teses já feitas ou encomendadas em vários Centros de Explicações da cidade do Porto; encomendam-se trabalhos de sites brasileiros por menos de 1 00 euros; e isto não se passa só em Portugal - nos outros países a "investigação" consiste exactamente nisto, ou limita-se a "copiar/colar" livros de outros autores. Lamentavelmente, são vulgares as teses de doutoramento constituídas por centenas de páginas com meras notas de rodapé, citações, referências bibliográficas. Em suma, publica-se qualquer coisa sem grandes exigências intelectuais.

Pelo contrário, qualquer artigo científico no âmbito das Ciências da Natureza obedece a um sistema de "b/ind refereeing": para evitar compadrios na atribuição de mestrados e doutoramentos, ou facilitismos na publicação de artigos em revistas científicas, cada investigador submete os seus resultados empíricos a um editor. Este entra em contacto com uma equipa de sábios, académicos consagrados, que analisam empiricamente o estudo sem saber quem é o seu autor. Se o artigo for bom, é publicado; se for mau ou apresentar imprecisões, é recusado. É assim em todo o mundo civilizado, mas não em Portugal.

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O que fez Sokal?

Aproveitando a inexistência de um sistema de blind refereeing nas Ciências Humanas, fez publicar numa das mais prestigiadas revistas pós-modernas (a Social Text) um artigo onde defendia os conceitos mais absurdos (que fariam rir até à lágrimas qualquer estudante do ensino secundário), recorrendo ao mesmo tipo de linguagem palavrosa e hermética que é típica dos pós-modernos. Por incrível que possa parecer, o artigo foi publicado, demonstrando-se ao mundo que, no âmbito das Ciências Humanas, qualquer Imbecil pode publicar qualquer
idiotice, porque ninguém o coloca em questão. E ainda foi aplaudido, pois os sócio-filósofos não perceberam a armadilha... Este episódio deu início a uma "Guerra das Ciências", com direito a conferências internacionais à custa das quais, diga-se, Sokal enriqueceu! Em Portugal, António Baptista Pereira (ex-presidente da Comissão Nacional para o ensino da Matemática) desancou Boaventura de Sousa Santos e, um pouco por toda o mundo, as Ciências Humanas ficaram claramente desacreditadas.

Posto isto, só restam três opções teóricas/filosóficas para solucionar a "Guerra das Ciências":

1. Manter uma posicão pós-moderna. Esta posição é inviável.
2. Assumir uma posicão radical: um neo-neopositivismo. É a posição teórica favorita de todos aqueles que durante anos tiveram de suportar algumas teses obscuras, tais como "a matemática é uma ciência humana", "tudo é relativo", etc.. No fundo, ao rejeitar absolutamente o pós-modernismo, esta atitude deita fora o bebé e a água do banho, isto é, não separa o trigo do
joio: não reconhece qualquer mérito ao pós-modernismo e assume um retrocesso e ao positivismo de Comte;
3. Assumir uma posicão pós-pós-modernismo: reconhecer "'os erros da pós-modernidade, rejeitá-los e fazer uma síntese hegeliana entre o espírito positivista e o legado pós-moderno. É esta, em definitivo, a minha opção, embora a sua sedimentação em termos académicos e culturais seja tarefa para muitos anos.

Ou seja, o que estou eu a dizer?

Estou a dizer que não me custa NADA, mas mesmo NADA declarar que as Ciências da Educação NÃO SÃO CIENTÍFICAS, tal como a História não é uma Ciência, nem a Filosofia, nem a Sociologia, nem a Psicologia. E por que razão não me custa nada? Bom,porque o facto de uma coisa não ser científica não significa que não seja séria. Podemos chamr-lhes "Estudos Humanísticos", e não vejo por que razão passem a ser menos sérias. A Psicanálise não é uma ciência -- e ainda bem -- mas não é por isso que deixa de ser uma actividade séria e, eventualmente, muito útil a quem a ela recorre.

Resta uma questão óbvia: e em que é que isto nos interessa?
Não será um mero debate intelectualóide?
Não apenas. As concepções filosóficas começam por ser assumidas nos circuitos académicos e acabam por estruturar a sociedade. Foi o que aconteceu com o pós-modernismo, que se consubstanciou no eduquês ao fim de 30 anos, só para dar um exemplo na educação. Repare-se: a opção neo-neopositivista aponta para a total desvalorização do estatuto científico da Psicologia, da Antropologia, da História, das "Ciências da Comunicação", das "Ciências da Educação", etc; o triunfo do positivismo será a eliminação da Filosofia - dos curricula e a eliminação total do discurso das ciências da educação das opções de política educativa. Ou seja, para sermos muito claros: trata-se de liquidar conceitos como os de "Escola Inclusiva" ("porque os meninos devem ser enviados para antros de deficientes ou escolas especiais onde fiquem bem escondidos"), "Projecto Educativo" ("porque os professores, os Mestres, devem recuperar a Autoridade Absoluta na gestão da Escola"), ...

Claro que este é um discurso demagógico, populista e perigoso...

Visões

Diferentes perspectivas sobre educação podem ser encontradas nestes blogues:

OutrÒÓlhar

Ensinar na Escola

Da crítica da Educação à Educação Crítica

Pergunto-me se não estaremos todos a dizer o mesmo com algumas diferenças de sensibilidade face a problemas diferentes.

03/09/2006

Os Filhos de Rousseau (IV)

Mas há antecedentes a Rousseau. Publiquei numa revista de filosofia um artigo sobre Sócrates, esse antepassado ideológico de Rousseau:

O método dialógico ou socrático é frequentemente apontado como o método didáctico por excelência da Filosofia, glorificando assim as figuras de Sócrates e Platão. É um método que trata de retirar do aluno, por meio de hábeis perguntas, aquilo que ele pode descobrir por si próprio, uma vez que já possui, de algum modo, certos conhecimentos. Sócrates (ou pelo menos a lenda) torna-se assim um exemplo mítico a seguir por todos os professores de Filosofia.

Na verdade, o método socrático pode ser considerado uma falsa concepção de interesse, ao lado dos métodos atraentes e dos métodos coercitivos. É que falta saber se as perguntas efectuadas no âmbito do método socrático são antes de mais oratórias ou se se trata verdadeiramente de pequenos desafios lançados à sagacidade dos alunos. Resta também saber se o aluno tem na verdade o direito de responder. Parece-me que, na esmagadora maioria dos casos, os professores que praticam consciente ou inconscientemente o método socrático pretendem apenas satisfazer as seguintes funções:

  • Captar a atenção;
  • Retê-la quando esta parece escapar;
  • Fazer voltar o silêncio e restabelecer a disciplina;
  • Introduzir uma noção ou relembrá-la;
  • Fazer com que a criança reflicta sobre ela ou mesmo que a fixe;
  • Pretexto para obter a "bela frase completa".

Quando o professor faz uma pergunta, o que se espera é que o aluno dirija toda a sua atenção e inteligência para a produção da resposta. Na verdade, o seu esforço desvia-se desta tarefa e ele procura adivinhar a resposta certa: a que existe na cabeça do professor e que este gostará de ouvir. Simples, prático e eficaz: é uma resposta que deixa toda a gente feliz — o professor é um bom professor porque obtém a resposta certa (a sua!) e encontra-se confirmado aos seus próprios olhos; o aluno poupa-se a ter de elaborar a sua própria resposta entrando no jogo do professor.

(...)

Portanto, temos Rousseau na mesma esteira de Sócrates. Ou, parafraseando o Director Pedagógico, Padre por sinal, de uma escola por onde passei, "Os bons alunos não precisam de professor, porque abrem o livro e sabem ler o que lá está. Só os maus alunos precisam de orientação, e se existem maus alunos com maus resultados é porque os professores deles são maus e não sabem orientá-los de forma a que atinjam a positiva."

A actual Ministra da Educação não diria melhor.

Os Filhos de Rousseau (III)

Num artigo inesperadamente lúcido e interessante, Maria Filomena Mónica escrevia que "Aqueles que argumentam que uma expansão acelerada do Ensino Superior é um instrumento de democratização, ou de crescimento económico, estão a enganar-se a si próprios e, o que é pior, aos outros. Sob a capa da retórica igualitarista, aniquilam a única oportunidade dos filhos dos pobres têm de sair do buraco onde nasceram".

Também se tornou conhecida a figura de Nuno Crato, que acusa os Filhos de Rousseau de serem românticos: «Romantismo. Movimento que varreu a Europa e daí a cultura americana [...] acima de tudo a elevação da natureza e do sentimento acima da civilização e do intelecto de acordo com Rousseau [...] predominância do subjectivo, do imaginativo e de emocional [... defesa da ideia da] espontânea inocência da criança corrompida pela separação intelectual com a natureza»

Um dos melhores artigos publicados acerca do estado do ensino é de Desidério Murcho que diz, entre outras coisas, o seguinte:
Hoje, as elites descobriram uma nova maneira de manter os seus privilégios e lixar todo o país: nivelam por baixo. Isto é fixe porque dá a sensação que estão a ser progressistas. Mas é evidente que quem tem a ganhar com um mau ensino generalizado, em que todos os estudantes passam, é quem tem privilégios. Que o filho de um professor universitário ou de um médico tenha uma educação miserável na escola é muito pouco importante porque a tem em casa; mas para o filho do pedreiro, é muito grave: se não a tem na escola, não a tem em lado nenhum. E isto é mau para o país. Porque acabamos por ficar com piores professores universitários e médicos e advogados e engenheiros, que o são só por serem filhos dos privilegiados, ao passo que os filhos dos que não pertencem às elites, mesmo que sejam mais inteligentes do que os outros, vão ficar sempre para trás. E é claro que do ponto de vista pós-modernaço está tudo bem assim, porque é tudo precisamente uma questão de luta irracional, sofística e simiesca pelo poder, não havendo quaisquer critérios de justiça social nem de racionalidade que nos valham.



Os Filhos de Rousseau (II)

Para explicar a relação entre Roussaeu e a educação, socorro-me de um artigo de Carlos Fiolhais:


A expressão "filhos de Rousseau" deu o título a um livro de Maria Filomena Mónica sobre a situação calamitosa da educação em Portugal (Relógio D’Água, 1997). Filhos de Rousseau são os adeptos modernos (ou, como alguns deles preferem chamar-se, pós-modernos) das ideias de suíço Jean Jacques Rousseau, o autor do mito do bom selvagem. Escreveu Mónica, com meridiana clareza:

"As crianças eram seres sem pecado, original que a sociedade corrompia através das suas normas. Rousseau rejeitava as ideias de Locke, para quem as crianças deviam ser gradualmente introduzidas no mundo da racionalidade. Levada à sua conclusão lógica, a doutrina de Rousseau acaba no totalitarismo. Os homens tinham de ser felizes, mesmo que a isso tivessem de ser forçados. Já que não se podiam manter selvaticamente bons, entre as florestas primitivas, competia à escola conduzi-los até si mesmos. Ora, quem melhor do que os professores para os encaminhar até à Luz? Rousseau introduziu a ideia de que a criança era um botão de rosa. Ao professor competiria estrumar a alma infantil. Foi assim que a Pedagogia substituiu o Saber".

A educação está, portanto, [do ponto de vista dos anti-eduqueses, acrescenta o autor deste blog] roída entre nós pela doença do rousseauismo serôdio. Mas, se isso nos serve de algum consolo, não é apenas entre nós: o fenómeno grassa a nível mundial. Nós somos mais frágeis que outros porque não possuímos os anticorpos que outros têm. De resto, e como uma desgraça nunca vem só, não se trata apenas de um problema com a educação mas também de um problema com a ciência. Por exemplo, o biólogo norte-americano Edward Wilson, no seu livro Consilience - The Unity of Knowledge (Knopf, 1998; um dos grandes ensaios contemporâneos que ainda não foi traduzido em Portugal) faz uma profissão de fé no saber humano e na possibilidade de unir no futuro os vários saberes dispersos. Mas, logo no primeiro capítulo, acusa Rousseau de estar na base da "coabitação da ideologia igualitária e da coerção totalitária", aquilo que designa por "praga dos últimos séculos". O genebrino, ao defender o naturalismo, teria abandonado as ideias de racionalidade de progresso. Para Wilson, tal como para a socióloga portuguesa, Rousseau foi o mais claro antecessor de Robespierre, que espalhou o terror por conta de uma suposta felicidade social (incidentalmente dando assim razão à resposta de um aluno que, quando o professor lhe perguntou quem tinham sido os três percursores da Revolução Francesa, afirmou: "Foram Jean, Jacques e Rousseau!").

Rousseau teve, porém, opositores de monta, que também estiveram na origem da Revolução Francesa. Falamos, por exemplo, de Voltaire e Diderot, que acreditavam firmemente no poder da razão humana, na sua expressão através dos livros e na unidade do conhecimento. Por isso foi escrita a "Enciclopédie". Wilson defende a actualidade nos dias de hoje desse sonho iluminista (o título "consiliência" denota precisamente a "união das ciências"), em contraste perfeito com as ideias românticas, relativistas ou pós-modernas que ignoram ou desprezam o valor da ciência.

Como chegaram as ideias de Rousseau a Portugal? E que impacte tiveram? Um estudo publicado há um ano por Fernando Augusto Machado ilumina esta questão. Depois de algumas resistências iniciais (pois como não haveria uma sociedade fortemente hierarquizada e bastante influenciada pela igreja de resistir à ideia de igualdade entre os homens?) essas ideias acabaram por ser bem recebidas por pré-românticos e românticos de todos os matizes. Entre os últimos pontifica Almeida Garrett. E, como que dando razão à expressão "filhos de Rousseau", não se esquece de referir a admiração que pedagogos portugueses como António Sérgio e Delfim Santos nutriram pelo autor de "Émile". Mas Machado não se esquece também de referir a oposição a Rousseau. Nomeadamente, informa-nos que, em 1755, o "Émile" provocou uma "brutal reacção em Voltaire, que o denunciou com um insulto ao género humano e um elogio da animalidade, insinuando mesmo ao autor um convite ao exercício da quadrupedia". E refere também o caso do estrangeirado português António Ribeiro Sanches.

Machado acaba de publicar um outro livro, dedicado integralmente a Ribeiro Sanches. Sanches, que primeiro estudou na Universidade de Coimbra e depois se doutorou em Salamanca, viu-se obrigado, em virtude da sua origem judaica, a emigrar primeiro para a Holanda e depois para a Rússia e para a França. Na Rússia, onde esteve 16 anos, chegou a médico da corte. Foi um defensor das reformas introduzidas por Pombal na educação, nomeadamente a laicização das escolas. Atribuiu à influência da igreja a causa da decadência nacional. E afirmou que a educação é a chave da transformação social e económica. Advogou uma escola pública e aberta, embora duvidasse da igualdade entre os estudantes (defendeu uma educação especial para as elites). Para ele:

"Os mais excelentes monarcas que celebra a história sagrada e profana foram aqueles que tomaram a educação dos seus povos à sua conta; fundando escolas públicas, para ali adquirirem ali os hábitos da virtude, e as ciências de que precisavam os seus estados".

No bom espírito das luzes, defendeu também a ciência e a experimentação:

"É necessário exercitarem-se as mãos e os olhos na investigação das partes do corpo humano, tanto como na leitura que trata das mesmas partes: este estudo obriga o médico a observar, a trabalhar, e a indagar; e é o mais poderoso para adquirir aquele génio filosófico tão necessário nesta ciência".

E que pensava Sanches sobre Rousseau? Pois, pura e simplesmente, que era "doido". Acusa-o de excesso de especulação e de falta de espírito prático. Sobre o livro "Émile" escreve, em 1763, que "é um livro impraticável, cheio de paradoxos contrários à construção do estado civil e que sapa todas as leis fundamentais."

Mas Sanches não estava em Portugal nem fez escola entre nós. Se o tivesse feito não teríamos hoje nas nossas escolas tantos "filhos de Rousseau" (Rousseau só não é um "doido varrido" porque não foi varrido). Teríamos antes "filhos de Sanches" e não estaríamos tão mal.

Os Filhos de Rousseau (I)

Muito se fala do eduquês e do anti-eduquês com as inevitáveis referências aos “Filhos de Rousseau”. Será importante esclarecer quem foi Jean-Jcaques Rousseau.

No tempo de Rousseau uma das principais preocupações políticas era a legitimação do Estado. O que é o Estado? “LÉtat c’est moi”? Que legitimidade tem o Estado de se impor relativamente ao Indivíduo? Pode o Estado dispor de um poder coercivo sobre os indivíduos? Se sim, onde reside essa legitimidade? Por que razão devemos obedecer-lhe?

O filósofo inglês Thomas Hobbes tinha proposto a ideia segundo a qual antes da constituição da sociedade política os seres humanos teriam vivido num Estado Natural que se caracterizava pela liberdade ilimitada e, consequentemente, pela orientação da vida em função da auto-satisfação. Portanto, este seria um Estado de guerra permanente de todos contra todos. Obviamente, a humanidade sentiu necessidade de abandonar este Estado Natural através da renúncia à ilimitação da liberdade individual e da imposição de um Estado político em função do qual se alienam todos os poderes individuais em nome da segurança colectiva.

Segundo Rousseau, no Estado de natureza o Homem vive isolado e, consequentemente, é independente; vive confiando nos seus instintos, é inteiramente livre e assegura a sua própria subsistência. Logo, está mais próximo da animalidade do que da humanidade. Distingue-se, contudo, dos animais através de duas características ímpares: a piedade (sentimento vago que o leva a ajudar os seus semelhantes) e a perfectibilidade (faculdade que permite desenvolver todas as outras; capacidade de se tornar civilizado). Neste estado de natureza, o Homem é uma criatura bondosa.
Rousseau lamenta que o Homem tenha abandonado esse estado natural, pois nesse tempo existia um equilíbrio harmonioso entre o homem e a natureza. Ao evoluir para o mundo civilizado, o homem passou a comparar-se, passando a cultivar o amor-próprio e preocupando-se mais com o parecer e com o ter do que com o ser. Com a civilização, diz Rousseau, surge a desigualdade; surge a propriedade privada e a exploração do homem pelo homem. A maior parte dos homens fica reduzida a uma espécie de escravatura, existindo entre os cidadãos um contrato de submissão em que uns são mas do que outros. Assim, "a sociedade corrompe o ser humano".

Segundo Rousseau, o verdadeiro contrato social deveria fundamentar-se no direito e não na força, sem que se verifique a alienação das liberdades individuais. Portanto, seria necessário um governo que não é “superior” ao povo, mas que está permanentemente sob escrutínio do mesmo povo que o elegeu – ou seja, trata-se de uma democracia directa em que a totalidade dos cidadãos se reúne em assembleia; o governo é apenas uma comissão encarregue de executar as leis, mas não de as fazer.

Rousseau foi acusado, mais ou menos injustamente, de ser um anarco-comunista. Mas curiosamente, ele não apoiava a democracia, pois tal forma de governação só poderia ser constituída num Estado de Deuses; apoiava, isso sim, a aristocracia electiva, ainda que “de tempos a tempos” se devesse “eleger um homem pobre, para dar ânimo à populaça”.

01/09/2006

Equívocos nos Exames do 9º ano

"A taxa de reprovação e desistência no 9.º ano subiu, em 2004/2005, de 12,5% para os 19,9%. Dos 96 500 alunos inscritos, 19 mil chumbaram. Números que representam o pior desempenho em mais de uma década, arrastando todo o 3.º ciclo para a maior taxa de retenção (19,3%) desde há nove anos (ver quadro). A explicação, diz o Ministério da Educação, resume-se em duas palavras: exames nacionais."

Curiosa leitura, esta. Feita à medida para dizer entrelinhas que a culpa dos maus resultados é dos Professores. Obviamente. Evidenciado pelo facto de "nos últimos dez anos - em que o País perdeu 280 mil alunos e ganhou 15 mil professores sem grande impacto nos resultados - provam que "o problema não está tanto ao nível dos recursos" existentes como na necessidade de uma "reorganização", que passa pelo reforço do "poder e autonomia das autoridades escolares"

Donde, o Ministério explica tudo com o bode do costume. Nada se refere quanto ao número excessivo de disciplinas (quem as impôs?), nem quanto à carga horária desproporcionada (quem a determinou?) nem quanto à inexistência de recursos na escola (quem os distribui?) para fazer face às novas realidades.

Mas do lado dos sindicalistas a resposta não é grande coisa. Adriano Teixeira de Sousa, da Fenprof fez uma leitura bastante distinta destes resultados (...): [a] institucionalização [dos exames] poderia implicar uma maior selectividade na escolaridade obrigatória, o que parece confirmar-se.". Ou seja, continua a fazer-se coincidir selectividade com elitismo. É um ponto de vista, mas não o meu.