03/09/2006

Os Filhos de Rousseau (IV)

Mas há antecedentes a Rousseau. Publiquei numa revista de filosofia um artigo sobre Sócrates, esse antepassado ideológico de Rousseau:

O método dialógico ou socrático é frequentemente apontado como o método didáctico por excelência da Filosofia, glorificando assim as figuras de Sócrates e Platão. É um método que trata de retirar do aluno, por meio de hábeis perguntas, aquilo que ele pode descobrir por si próprio, uma vez que já possui, de algum modo, certos conhecimentos. Sócrates (ou pelo menos a lenda) torna-se assim um exemplo mítico a seguir por todos os professores de Filosofia.

Na verdade, o método socrático pode ser considerado uma falsa concepção de interesse, ao lado dos métodos atraentes e dos métodos coercitivos. É que falta saber se as perguntas efectuadas no âmbito do método socrático são antes de mais oratórias ou se se trata verdadeiramente de pequenos desafios lançados à sagacidade dos alunos. Resta também saber se o aluno tem na verdade o direito de responder. Parece-me que, na esmagadora maioria dos casos, os professores que praticam consciente ou inconscientemente o método socrático pretendem apenas satisfazer as seguintes funções:

  • Captar a atenção;
  • Retê-la quando esta parece escapar;
  • Fazer voltar o silêncio e restabelecer a disciplina;
  • Introduzir uma noção ou relembrá-la;
  • Fazer com que a criança reflicta sobre ela ou mesmo que a fixe;
  • Pretexto para obter a "bela frase completa".

Quando o professor faz uma pergunta, o que se espera é que o aluno dirija toda a sua atenção e inteligência para a produção da resposta. Na verdade, o seu esforço desvia-se desta tarefa e ele procura adivinhar a resposta certa: a que existe na cabeça do professor e que este gostará de ouvir. Simples, prático e eficaz: é uma resposta que deixa toda a gente feliz — o professor é um bom professor porque obtém a resposta certa (a sua!) e encontra-se confirmado aos seus próprios olhos; o aluno poupa-se a ter de elaborar a sua própria resposta entrando no jogo do professor.

(...)

Portanto, temos Rousseau na mesma esteira de Sócrates. Ou, parafraseando o Director Pedagógico, Padre por sinal, de uma escola por onde passei, "Os bons alunos não precisam de professor, porque abrem o livro e sabem ler o que lá está. Só os maus alunos precisam de orientação, e se existem maus alunos com maus resultados é porque os professores deles são maus e não sabem orientá-los de forma a que atinjam a positiva."

A actual Ministra da Educação não diria melhor.

5 comentários:

Unknown disse...

Olá, publiquei no blog "ensinar na escola" o artigo de Desidério Murcho. Está muito interessante.

Quanto ao seu resumo de Rousseau, parece-me esclarecedor. obrigado pelo seu trabalho!

SL disse...

Há também uma colectânea de textos na página do Nuno Crato bastante interessante: http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/Recortes/Recortes.html

Unknown disse...

obrigado pela dica

Eurydice disse...

Gostei muito destes seus posts sobre Rousseau e Sócrates. Na verdade, a sua análise do chamado método socrático é muito interessante, e permitiu-me consolidar as minhas próprias ideias sobre o assunto. Admiro a sua clareza de raciocínio e de exposição, sinceramente, bem como o seu sentido implacável da realidade que existe por detrás dos belos discursos.

O método socrático, quanto a mim, só faz sentido no contexto da teoria platónica do conhecimento. Fora disso, cai exactamente no que diz: induz o aluno a dar uma resposta que satisfaça o professor, mas não o leva a descobrir nada. No entanto, alimenta o ego do "sócrates-residente".

Mais um caso de uma teoria que perde o sentido ao ser deslocada para fora do âmbito em que foi concebida.

Agradeço a oportunidade de recordar Rousseau, pois até já tinha dúvidas sobre o seu pensamento, depois de ouvir algumas interpretações que não coincidiam com aquilo que aprendi quando o estudei... É reconfortante encontrar algo com tanta qualidade e rigor!... Obrigada!

SL disse...

Agradeço as palavras elogiosas de mesimoes e anti_eduquês.

Mais tarde colocarei alguns links que permitam explorar um pouco mais os dois autores.