30/11/2006

Exames Nacionais

A ideia de escola sem exames poderá parecer sedutora em teoria, mas na prática o resultado é a completa desmoralização e desvalorização social da própria escola. A abolição dos exames é, em grande medida, responsável pelo colapso do sistema educativo. Quando o colapso se tornou evidente, os sucessivos ministérios procuraram dificultar a reprovação legítima e eliminar as disciplinas centrais do conhecimento, substituindo-as por vacuidades que permitam aprovação quase automática, afastando as matérias "difíceis". O resultado é a degradação cada vez maior do ensino, aprofundando-se cada vez mais as diferenças entre quem vem ensinado de casa e quem precisa realmente da escola para ser ensinado porque nem livros tem em casa (e não necessariamente por falta de dinheiro).

Desidério Murcho,
num artigo que a Texto Editores impediu de sair na defunta Pontos nos ii

28/11/2006

Importa-se de repetir?

Exame de Eduquês

Há muito tempo que a Júlia (chamemos-lhe assim) se vinha preparando para o teste: A Júlia é professora e, na altura em que tirou o curso, foi-lhe conferido o grau de bacharel. Mas sabe-se como essas coisas são. Hoje em dia, em Portugal, não se faz nada por menos que doutor, e a pobre da Júlia, para subir de escalão e não ficar atrás nos concursos, lá se abalançou a uma formação complementar para conseguir a licenciatura. Disciplinada, meteu mãos à obra e, fora das horas de trabalho, mergulhou, noites a fio, nas «ciências da educação». E o dia do teste lá chegou. Na Escola Superior de Educação Almeida Garrett. Disciplina de Educação e Valores. Cheia de brio, atacou a primeira pergunta:«A educação é moldura adaptável pelo professor ao aluno no decurso do processo educativo. Concorda? Porquê?» Como é óbvio, a Júlia não concordava nem deixava de concordar. A pergunta dava para tudo. Já cá volto, vamos à segunda.«Numa época de canhestros, sistemáticos e fragmentários dogmatismos, labilismos, labialismos, turismos culturais, pragmatismos, cepticismos, determinismos, fatalismos, autismos, narcisismos, parolismos... - mais ou menos camuflados por dinâmicas endógenas e exógenas - um relance, embora perfunctório, sobre a ossatura programática da Disciplina, permite afigurar-se razoável, liminarmente, a susceptibilidade de desfibrá-la, entre outras, nas seguintes dïcotomias axiológicas mediáticas multifacetáveis, confinantes, congruentes, sinalagmáticas..., a entrecruzarem-se, transumirem-se, transubstanciarem-se, transversalizarem-se, etc., v.g: Educação-Ética; Cultura-Civllização; Valores-Referências. Sem irrelevar o subjacente, atípico e ágrafo património - genético, material e espiritual - a montante e a jusante do aluno, teça um comentário sinóptico (corroborante ou repudiante), ancorado em dimensão axiológica e argumentos, empíricos ou especulativos, minimamente válidos.»Júlia estava compreensivelmente assustada. Não sabia se havia de corroborar ou repudiar. Para mais de forma sinóptica. Vamos ver a próxima.«Causalizando os respectivos objectivantes, o maior ou menor sucesso intelectivo-educacional materializa-se em facultar ao Homem/Aluno uma plena e interactiva adaptação ao meio, preconizando a sua vivência numa sociedade virtual que ainda não existe. Sufraga ou impugna? Justifique.»Júlia estava quase a ter uma coisinha má. Não fazia a mínima ideia se queria sufragar ou impugnar. Mas ainda atacou mais outra.«No acervo do "mapa-múndi" noosférico (habitat cultural dos valores), sem intuitos exaustivos, trace a noção génese, características, mudança, hierarquia, taxinomia, teleologia, filosofia, peregrinação, utopia, potestade e heurística axiológicas.» Para cinco valores.

Júlia rompeu em pranto.*

*retirado de http://aguiar-conraria.weblog.com.pt/arquivo/168604.html

27/11/2006

Resposta a : Castigos, avaliações e... invenções!

Quis responder ao eccerui, http://nafloresta.blogspot.com/, mas comecei a escrever e saiu um texto tão grande que resolvi colocá-lo aqui.
...
Não me parece que o que tu faças seja relatar um caso pessoal. Acho que o que tu fizeste foi pessoalizar os casos da grande maioria dos professores, especialmente dos muitos que já cá andam há muitos anos. No que se refere ao estágio não foi o meu caso já que o meu curso era o único curso superior do qual saíamos com estágio já feito. De todos os outros saíram milhares de professores nas mesmas condições em que tu saíste… sujeitos aos humores do ME, ou de qualquer outra sigla que usava na altura, para abrir vagas para estagiar.

Relativamente ao trabalho, ao que fizemos, ao currículo que construímos, estamos quase todos na mesma. Tudo foi ignorado… tudo vai ser esquecido… Por isso não falas de um caso pessoal… falas de um colectivo que vai ver todo o seu trabalho branqueado.

Na altura da mudança para o 8º escalão tive que elaborar um currículo, teoricamente para depois ser discutido, o que implicava ter também uma crítica reflexiva sobre o trabalho desenvolvido. Em conversa com um colega da Faculdade disse-lhe que não fazia mínima ideia do que colocar no tal currículo já que a única coisa que eu tinha feito toda a vida era dar aulas. Ele riu-se e respondeu-me “estás enganada!” E começou a perguntar “não fizeste isto?… não fizeste aquilo?… não estiveste aqui?... não foste ali?... não apresentaste este trabalho?... não fizeste aquela intervenção, naquele congresso?... não foste isto?... não foste aquilo?... não desenvolveste esta acção?... não dinamizaste aquela outra acção?... não implementaste isto?… não promoveste aquilo?… E foi-me falando de “coisas” que para mim eram inerentes ao dar aulas, “coisas” que eu tinha feito porque faziam parte de mim, da minha disciplina, da minha escola, da minha profissão. “Coisas” a que eu não tinha dado importância como “coisas feitas” porque as tinha feito por gosto, porque as tinha feito na continuidade, no complemento da minha acção como professora, por inerência da minha profissão, do meu gosto por melhorá-la…
E disse-me mais “ tudo o que fizeste contribuiu para seres melhor professora … tudo o que fizeste para melhorares os teus conhecimentos, para melhorar o enquadramento da tua disciplina, para melhorar a escola, para melhorar o clima relacional entre os alunos, contribuiu para que as tuas aulas melhorassem… contribuiu para que sejas melhor professora”. Respondi-lhe: tenho comprovativos de congressos onde estive, de acções a que fui, porque normalmente os usava para justificar as faltas mas ninguém me passou comprovativo da dinamização que fiz e envolveu os putos todos da escola, ou do outro trabalho que fiz no defesa da disciplina. “Relata-os – isso é trabalho feito… é uma mais valia para ti, para quem contigo a desenvolveu e para quem nela interveio. Isso é uma mais valia para a escola em que trabalhas, para os alunos com que lidas, para o grupo a que pertences ” - disse-me ele.

E eu que pensava não ter feito mais nada se não dar aulas, vim para casa e pus-me a escrever o currículo. E fiz um currículo com 60 folhas (sem contar com os comprovativos)!!! E depois de o entregar lembrei-me de “coisas” que davam para mais umas 10/15 folhas...
E as “coisas” transferidas para o papel não valorizam, não relatam, não mostram o que fizemos, não estão lá as emoções que sentimos ou fizemos sentir, não estão lá os olhos dos putos que brilharam com aquela acção desenvolvida na escola, não estão lá os risos que provocámos com a outra acção, não está lá a lágrima daquele outro que nunca tinha sido bom em nada e nós fizemos “o milagre” de lhe conseguir dar um qualquer prémio para ele perceber que também podia ser bom.

Isto passou-se há uns 10/12 anos e correspondeu a 2/3 da minha vida profissional. Tenho mais 1/3 de “coisas” que entretanto fui fazendo.
Falei de mim, mas a maioria das “coisas” não as fiz sozinhas. Foram trabalho de equipa, quer tivessem sido feitas na escola, quer noutros “lados” em que trabalhei pela melhoria da disciplina e do ensino. Como eu há milhares de professores que todos os dias, todos os anos da sua carreira contribuíram, com o seu trabalho e com as suas horas fora das aulas, para que a escola, a sua disciplina, o ensino melhorassem. Todos os dias, todos os anos, há milhares de “coisas”, pequenas ou grandes, que são feitas por nós, que são o resultado do nosso trabalho
...
Sei que tudo isto nunca foi contabilizado na progressão que havia até agora, sei que havia uns que faziam muito e outros faziam menos, sei que havia uns que tinham tempo para tudo e que outros não tinham tempo para nada … sei disso e sei de muito mais… No entanto também sei que se nunca foi contabilizado, também nunca foi branqueado. Sei que a avaliação por muitos defeitos que pudesse ter nunca ficou dependente de um exame que iremos fazer perante um júri que não sabe o que é uma escola e perante o qual iremos ter que, na melhor das hipóteses, ir defender uma qualquer última teoria, de um qualquer último livro, de um qualquer autor da moda, que pode ser muito bonita para uma discussão académica, mas que de nada serve no contexto diário em que vivemos.
Sei que a avaliação podia ter muitos defeitos, que podia ter deixado passar alguns que não deviam ter progredido, mas estes alguns eram mesmo e só alguns, eram mesmo tão poucos que não constituíam mais do que uma gota de água no oceano.
Sei que a avaliação podia ter muitos defeitos… mas bastava tê-la regulamentado.

Esta avaliação que agora se propõe não é uma avaliação… é apenas um meio de poupar dinheiro … e para isso desvaloriza-se (é o que o ME tem feito com tudo… desvalorizar!)… e para isso ignora-se todo o trabalho feito… e para isso branqueia-se toda uma vida profissional desenvolvida…
E depois fala-se de empenho, fala-se de mérito!!!!

24/11/2006

E se fosse cá?

23/11/2006

Vicente Romano

A caminho da escola, não tenho tempo para mais que uma recomendação: o livro "Formação da identidade submisssa", de Vicente Romano, que pelos vistos até deu uma entrevista à Visão. Honra ao blog onde fui reencontrar o artigo e o nome do autor: o Tux Vermelho, cujo lema é "O BEM MAIS PRECIOSO É O CONHECIMENTO. PARTILHA-O!"

Basta um lema assim para ganhar mais um leitor.

21/11/2006

José Pacheco dixit

"Cansei-me de ver a comunicação social dar guarida a espertalhões que atingem o topo de venda de livros, criticando o "eduquês". Eu também o critico, porque muita da literatura das ditas ciências de educação não passa de literatura de cordel."

Se o homem o diz, quem sou eu para o criticar?

19/11/2006

Grotesco

José Pacheco consegue surpreender-nos, mais uma vez pela negativa. No artigo aqui linkado, perora sobre os malefícios dos exames nacionais, as chamadas ao quadro, os interrogatórios orais e estabelece uma infeliz analogia entre o ensino "do antigamente" e aqueles que, hoje, defendem um outro modelo de escola. Acaba o artigo afirmando que os exames são (sic) "uma merda".

Profunda habilidade retórica; profunda densidade semântica do discurso; torna-se evidente a necessidade de proceder a uma análise semiológica de forma a alcançar uma dimensão trans-hermenêutica que permita compreender a inexorável inextrincabilidade da inextrincável inexorabilidade do acto ensinar-a-aprender, correlativo do aprender-a-ensinar.

A discussão segue no ensinar na escola.

17/11/2006

Disto não falam eles...

Repescado n'O Cartel:

http://www.oecd.org/dataoecd/44/35/37376068.pdf

Onde se demonstra que afinal, os números da OCDE são outros.

Onde está a Ministra?

Aquilo que o eduquês me ensinou (II)

Os "cientistas" da educação que me "formaram" na faculdade diziam coisas que ainda hoje me fazem muita confusão. Diziam, entre muitas outras, que a relação pedagógica é uma relação democrática; e que a aula é um espaço de partilha de saberes.

Ora, não é nem uma coisa nem outra. Em primeiro lugar, não pode haver democracia dentro da sala de aula pelo simples motivo de que nenhum aluno pode mandar tanto como um professor; logo, não são todos iguais coisíssima nenhuma. Em segundo lugar, porque se o professor vai para uma sala de aula onde [sobre a sua disciplina] vai partilhar saberes com os seus alunos, assumindo que sabem tanto uns (alunos) como os outros (professor), então o dito professor deve ter vergonha na cara e voltar para casa porque não está lá a fazer nada. Ele é pago para saber mais que os seus alunos e ter mais autoridade do que eles, não para "partilhar experiências" e outras mariquices do género.

Portanto, esqueçam essa treta da relação democrática e da partilha de saberes. Constitui a negação da essência do professor.

15/11/2006

A ler

Já aqui insisti neste facto: o actual ensino só desfavorece as classes já desfavorecidas. Leia-se mais sobre o assunto aqui.

12/11/2006

Aquilo que o eduquês me ensinou (I)

Um rapaz de 13 anos bate na professora. Não é a primeira.

Muito bem.

Segundo aquilo que me ensinaram na faculdade, há que procurar as causas da agressão. Quais os antecedentes do aluno? Qual o ambiente familiar? Poderá tratar-se de um caso psicossomático? Ou alguma degenerescência do sistema nervoso central? O mais provável é ser um miúdo ansioso, com problemas de stress agudo provocados pela própria professora. E qual a real implicação da professora neste caso? O que fez ela para causar a agressão? Se a agrediu a ela mas não aos outros, o que houve no comportamento da docente para provocar esta situação? Poderá a professora em causa ter potenciado o acto de indisciplina?

Em suma, o que o eduquês me ensinou foi que o miúdo é uma vítima inocente da sociedade que o corrompeu. A causa efectiva da indisciplina é o professor.

Os meus paizinhos ensinaram-me que uma valente bofetada no focinho na altura certa é mais adequada.
Era o que eu teria feito.

04/11/2006

Sobre o espartilhar da carreira...

...

Do que não precisamos...



Acabei de ouvir o Mário Nogueira na 2 e gostei.

No entanto há uma pergunta recorrente a que eu não vejo dar a resposta que explique as nossas razões. Essa pergunta tem a ver com a recusa das quotas e do espartilho da carreira.

Passam o tempo a comparar-nos com outras carreiras, com a progressão a que estão sujeitas, com a impossibilidade de todos atingirem o topo. Comparam a nossa carreira com a carreira militar, com a carreira dos médicos, e agora até com as outras carreiras da FP. (até já nos compararam a vendedores!!!!)
E sobre esta comparação não temos sido felizes na contestação da igualdade de situações.

Quer-me parecer que deveríamos explicar a estes srs que todas as carreiras à excepção da carreira de professores são de progressão vertical. A nossa é diferente… é de progressão horizontal.

Qual é a diferença?

Nas carreiras de progressão vertical as tarefas vão-se tornando diferentes e específicas conforme se vai progredindo. São, todas elas, carreiras em que existe uma cadeia de comando, em que cada “posto” chefia, com todas as implicações que daí advêm, o “posto” abaixo, pelo qual é responsável e responde perante o “posto” acima. A razão para nem todos poderem progredir prende-se com a existência de uma estrutura piramidal, em que 1 chefia 2, que chefiam 4, que chefiam 8, etc… Em cada patamar existem funções diferenciadas… não continuando todos a desempenhar a mesma função que no patamar anterior. E em cada patamar vão existindo cada vez menos “funcionários” já que se vai entrando nos patamares das chefias. E para “chefes”, “subchefes”, etc., são necessárias cotas. Estas são as características de uma carreira de progressão vertical.

Na única carreira de progressão horizontal que existe, a dos professores, nada daquilo se passa. Todos desempenhamos, desde o princípio até ao fim, a mesma função básica… somos professores e damos aulas (e ainda bem!). Para além das aulas, todos desempenhamos, em pé de igualdade, as mesmas funções, fazendo todos os outros serviços existentes nas escolas, quer se prendam com as actividades que foram recentemente adstritas à componente não lectiva, quer se prendam com as burocracias existentes, quer ainda com os denominados cargos existentes. Acrescente-se o facto de considerarem que quanto mais “acima” se está menos respeito se merece já que como menos carga lectiva se tem mais se serve para “pau para toda a obra” – para estes sobraram, para encher os tempos não lectivos, as substituições e as tarefas similares. Estes tempos não foram destinados à produção de trabalho que a experiência acumulada poderia produzir, mas sim a suprir as faltas de condições existentes nas escolas. Não há diferenciação de tarefas … e não é a atribuição de cargos de coordenação, apenas aos futuros professores titulares, que vai fazer essa diferenciação. Estes cargos não implicam uma cadeia de comando… não são cargos de chefia (mesmo que daí advenha a responsabilidade de avaliar os colegas. Estes cargos não são mais do que cargos de coordenação e orientação do trabalho de um grupo. Todos os professores que tenham estes cargos, continuam a dar aulas… e por força do estatuto que nos querem impor, estes professores aumentarão ainda a sua carga lectiva. Não há portanto nada de similar com uma carreira de progressão vertical. Os patamares são horizontais, não em degraus de uma escala.

Há razão para haver avaliação para se progredir na carreira porque não há profissão que resista a um patamar único já que isso desmotiva. Há razão para haver uma avaliação exigente, centrada em parâmetros de profissionalismo, de competência e de formação, para que se possa progredir entre os diversos patamares. Não há razão para que numa carreira com estas características não possam ser todos excelentes, já que o que se pretende, exactamente, é que todos os professores sejam os melhores. Não há razão para que meia dúzia estejam “no topo” e a outra dúzia não possa lá estar já que não desempenham funções, diferenciadas o suficiente, para o justificar.

f... (professora no 10º escalão… o que quer dizer que não está a defender nenhum tacho, mas sim uma causa justa)