03/04/2008

Propostas do BE ... mais um penso para uma ferida que do que precisa é de cirurgia?

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Não me parece que qualquer destas propostas:
vá contribuir muito para a diminuição do insucesso ou do abandono escolares. Não traz propostas novas, não acrescenta nada, contém, apenas, remendos legislativos e explicitações de muitos articulados já existentes.
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O problema principal do nosso sistema de ensino radica na sua concepção de base e no seu currículo.
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Fala-se repetidamente de escola democrática e considera-se, apenas, como conceito de escola democrática, o esta, ser igual e obrigatória para todos.
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O conceito de escola democrática deveria conter, em si, o conceito da escolha de um futuro. Esta escola, que temos, não é democrática porque não o contém.
O ser igual para todos torna-a, de imediato, anti-democrática. O tipo de ensino que se oferece é o ensino vocacionado para quem quer ser “doutor”. Está todo construído nessa base. Por isso o insucesso, por isso o abandono, por isso o desinteresse. Muitos alunos, e isto não tem nada a ver com classes sociais, não querem ser ”doutores” e por isso não vêem qualquer mais valia no que deve(ria)m apre(e)nder na escola.
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Inventam-se Currículos Alternativos (CA), inventam-se CEF, inventam-se outras formas de colmatar o insucesso e os resultados continuam a ficar muito, muito aquém das expectativas.
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E o que há de errado com os CA e os CEF, é serem uma tentativa de cura para uma doença que o sistema criou, e não uma profilaxia para que essa doença não tivesse chegado a existir.
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O que há de errado com os CA e os CEF, resulta de uma política de ensino completamente errada, completamente obtusa, completamente cega.
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O que há de errado com esta política de educação é pensar que todos querem/têm que ser doutores, acabando por afastar muita gente da escola.
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E este é o enorme erro que produz a necessidade de CEF.
A massificação do ensino, deveria prever diversas vias de acesso ao conhecimento, criando saídas profissionais variadas, mas sem cortar caminhos. O maior erro deste país foi querer que todos aprendessem tudo da mesma forma, copiando essa forma do antigo liceu, cuja via era unicamente a universidade.
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Quando fecharam os cursos técnicos e comerciais fartei-me de dizer que estávamos a cometer um enorme erro social e que haveríamos de pagá-lo a muito curto prazo. Chamaram-me imensos nomes, desde elitista a segregacionista. Quanto a mim, elitismo e segregacionismo foi o de quem não soube ler a sociedade.
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Correndo o risco de me continuarem a chamar elitista, continuo a insistir que nem todos os alunos querem ser doutores e como expliquei na altura, e continuo a acreditar agora, isso não tem nada a ver com classes sociais, mas com apetências.
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Há muitos alunos, nomeadamente os da minha escola, para quem este tipo de ensino não lhes diz nada. Não lhe vêem sentido, não vêem que lhes sirva para o futuro. Não lhes interessa.
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No entanto, aqui há uns 3/4 anos, um colega, abriu um atelier de electricidade, promovido pela Câmara com uns dinheiros do PRODEP. Esse cursozito teve que rejeitar alunos porque não tinha capacidade para tanta inscrição.
E no ano seguinte, devido às mudanças de horários dos alunos, para que estes tivessem a possibilidade de continuar a frequentar o curso, o colega teve que se disponibilizar para dar aulas ao sábado.
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O interesse neste atelier, motivou, paralelamente, a subida de notas de muitos alunos, mais especificamente em física e matemática.
Os alunos perceberam uma relação entre a prática e a teoria, perceberam que o conhecimento teórico tinha uma aplicação, e gostaram e perceberam também que o que estudavam servia para alguma coisa objectiva, nomeadamente, se quisessem vir a ser profissionais de electricidade!
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E perceberam, também, que se quisessem continuar a frequentar o curso, tinham que se portar bem (e não só ali, em toda a escola) porque havia mais gente interessada e aquele direito implicava deveres.
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O que está errado com os CA e os CEF é que estes vêm tentar resolver problemas de gente que já se desinteressou por completo pelos estudos, que já criou um conjunto de atitudes de rejeição ao ensino, que já enquistou um conjunto de maus comportamentos e que, ainda por cima, é reunida toda numa mesma turma, dentro do mesmo espaço que aprendeu a abominar.
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Creio que a única forma é criar vias de aprendizagem/formação diferenciadas. Vias estas que não impeçam os alunos que descubram que afinal gostam de estudar e aprender de poderem seguir o caminho da universidade se o quiserem. Vias que não se fechem em si próprias, mas que permitam caminhos de formação alternativos, desde o início, para que não tenhamos que andar a colocar pensos em feridas que, em muitos casos, já são incuráveis.
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Só assim é que entendo a escola democrática. Só assim vejo um caminho para a diminuição do insucesso e do abandono escolares.
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Sobre a constituição de turmas só quero lembrar que existem escolas (e se calhar não são tão poucas como isso) para quem aquele diploma não tem qualquer razão de ser. A minha escola, por ex, não tem um único filho de doutor ou socialmente equiparado, na minha escola, os repetentes estão equitativamente distribuídos pelas turmas (variam entre os 6 e os 10)… e mais não vale a pena acrescentar. Não são estes os remédios necessários.
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Equipas de apoio, tutorias, projectos de acompanhamento escola/família, possibilidade de acompanhamento psicológico, animadores e assistentes sociais… temos de tudo um pouco.
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Vontade de trabalhar e interesse pela escola/aula (porque da escola gostam todos) praticamente não existe. Para este problema, alertei tanto as deputadas que reuniram connosco, como os elementos da DREL e parcerias institucionais presentes, tentando fazer-lhes ver que, socialmente, estávamos a estragar aquela população. Não existem bairros sociais mais bem equipados e com melhores apoios do que aqueles que “fornecem” os alunos para aquela escola. Habituaram-nos a que praticamente tudo o que precisam lhes “cai do céu”. Tudo lhes é dado ou cedido a preços módicos, sem que lhes seja exigido nada em troca, o que faz com que todos se sintam no direito de, mas não no dever de…
Quando dizemos a um aluno “tem cuidado, não estragues o material”, a resposta é invariavelmente “porquê, depois não vem mais?” ou “deixe lá, eles depois mandam mais”.
Quando lhes dizemos que têm que estudar e trabalhar, a grande maioria acha que não precisa de o fazer porque vai viver do rendimento mínimo e que, portanto, não tem que se preocupar, porque nem precisa de trabalhar agora, nem quando for grande. Estas “pequenas grandes visões” do futuro espelham o que eles vivem, sentem e ouvem: não há problema, alguém nos sustentará… temos esse direito!
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E os que até estudam alguma coisita e conseguem fazer o 9º ano? A maioria destes não tem posses (?), interesse (?), vontade (?) de continuar. E para que serve o 9º ano? Que emprego, que estatuto lhes dá? Vão para o balcão do MacDonalds ou para uma qualquer outra loja do estilo, onde encontram outros que não tinham completado o 9º ano. Que incentivo têm os colegas, vizinhos, amigos, para fazerem, sequer, o 9º ano?
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Como o que queremos que aprendam, não lhes mostra nenhum futuro, não vale mesmo a pena pensarem em fazê-lo. É preciso conquistá-los com coisas que lhes interessem! E todas as nossas actividades práticas estão cheias de gente…
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2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem. Ficou tudo dito.

Anónimo disse...

Totalmente de acordo com o que a Maria Lisboa escreveu.

DA