23/01/2009

Francisco Queirós

Discurso da tomada de posse do director da Escola Secundária de Paredes

1. Os estudantes reclamaram, na semana passada, a demissão da Senhora Ministra da Educação, protestando contra a figura do director de escola.
Nas duas marchas da indignação, em Lisboa, onde estive presente, 120 000 professores aprovaram moções rejeitando a figura do director de escola.
A Plataforma Sindical dos professores chama comissários políticos aos futuros directores de escola.
Os jornais falam, no mesmo parágrafo, do guloso suplemento remuneratório dos directores de escola e do prato de lentilhas que Jacob vendeu a Esaú.
Compreendam, pois, que eu não deva nem queira permanecer em silêncio, nesta sessão de tomada de posse como director da escola secundária de Paredes.


2. Nós, os membros do Conselho Executivo que hoje cessa funções, tomámos posse no dia 9 de Junho de 2005. Completámos os 3 anos de mandato, portanto, no passado dia 9 de Junho de 2008, dia em que a legitimidade democrática de que estávamos investidos foi substituída por uma espécie de unção administrativa, que tolhe e embaraça quem desconfia da santidade dos óleos da tutela.
Solicitámos por isso ao Senhor Presidente da Assembleia de Escola que, à medida da lei, desencadeasse com urgência o processo de eleição do director.
Mandava a prudência que eu não me tivesse apresentado como candidato a director. Lembre-se o Verão quente de 2005, marcado por uma inédita, e, à época, abusiva, requisição civil dos professores vigilantes dos exames nacionais. Lembre-se a duplicação do horário de trabalho dos professores mais velhos. Lembre-se a reforma fruste da educação, que todos conhecemos, contestada nas manifestações gigantescas de Lisboa e nas duas greves que paralisaram a escola.
Vacilei, contudo, na virtude cardeal, quando deixaram em cima da minha secretária de trabalho um rol de folhas assinadas pela esmagadora maioria dos professores e funcionários da escola, a solicitar que me candidatasse ao cargo de director. Como já tinha vacilado naquele Março marçagão, com cheiro de Abril, enquanto descia pela avenida da Liberdade, respirando o ar puro da solidariedade, bem longe da abafação que se vivia na escola.


3. A verdade é que este não é um tempo para faltas, omissões ou cobardias. Basta os que – porque estão doentes ou porque estão velhos – já solicitaram a sua resignação, aliás, justa e merecida.
Por mim
Não me conformo com a falta de autonomia da escola pública e com esta tradição secular de obediência submissa que faz vergar os joelhos e perder altura; Não me conformo com os discursos macios que querem encher a escola de objectividade, de mensurabilidade e de constrangimento; Não me conformo com os programas disciplinares mal feitos e com as disciplinas que são só áreas curriculares e não têm programas; Não me conformo com a concorrência desleal dos cursos por equivalências ou por competências, que se concluem num par de semanas; Não me conformo com o número esmagador de 17 disciplinas dos alunos do ensino básico; Não me conformo com uma escola de falsas ilusões que não promove a cultura, nem o método, nem o rigor, nem a exigência, nem a disciplina, nem o trabalho; Não me conformo com as actividades de recreio que infantilizam os alunos, confundem os pais e diminuem os professores, e são desonestamente conhecidas como aulas de substituição; Não me conformo com a lei do subsídio que distingue os alunos à porta da cantina pela cor do bilhete que exibem; Não me conformo com o estatuto do aluno nem com direitos associativos e reivindicativos de crianças com 10 anos de idade; Não me conformo com a maré viva de dinheiro arrastado pelo ensino profissional a troco de aprendizes incompetentes e de estatísticas balofas; Não me conformo com um sistema competitivo perverso de acesso ao ensino superior que distribui de forma igual a angústia pelos filhos e pelos pais; Não me conformo com a avaliação do desempenho dos professores porque abjuro a avaliação do desempenho dos pais; Não me conformo com o estatuto da carreira docente que separa, divide e afronta os professores; Não me conformo com os pais que não reconhecem o trabalho supletivo excepcional da maioria dos directores de turma; Não me conformo com o vencimento ofensivo que o Estado paga aos funcionários administrativos e aos auxiliares educativos; Não me conformo com a quota de 5% de excelentes na avaliação anual dos funcionários nem com os efeitos práticos dessa avaliação – um aumento líquido de 17 euros para 3 anos consecutivos de classificação excelente; Não me conformo com um sindicato manso que não reage à despromoção do vínculo laboral dos funcionários públicos que perderam no dia 1 de Janeiro de 2009 a nomeação definitiva que os ligava ao Estado; Não me conformo com a falta de qualidade dos transportes escolares; Não me conformo com o frio regelado das nossas salas de aulas; Não me conformo com uma escola sem balneários individuais que protejam a intimidade dos alunos; Não me conformo com uma escola sem posto médico e com quartos-de-banho medievais; Não me conformo com a falta de condições de trabalho dos professores; Mas também não me conformo com a requalificação escolar, se o preço a pagar for o do ajuste directo até 1 milhão de contos; Não me conformo com a escola a tempo inteiro – espécie de entidade adoptante afectiva que absorve o tempo e o direito dos pais a estarem com os filhos; Não me conformo com o fim da gestão democrática das escolas e deixo aqui o compromisso público de renunciar ao lugar de director da escola se a maioria dos professores reclamar um exercício incompetente. Não me conformo com o dia do prémio do diploma porque a escola não presta tributo ao dinheiro mas aos anjos da catedral de Chartres; Finalmente, não me conformo com a avaliação dos professores porque depende de um “perfil ideal de aluno” e eu acredito que a liberdade tem asas de oiro.


4. Reforço a preferência, já manifestada em outro lugar, pela subjectividadeão em vez da objectividade, pela conversação em vez da comensuração e pela persuasão em vez do constrangimento.
É urgente tomar o espaço de intervenção. O núcleo da questão é, claro, a autonomia da escola. Está visto que o caminho a percorrer não pode ser apenas o da auto-avaliação e o da avaliação externa – caminho que, à sombra da política real, apenas valida o príncipe de Salina; é necessário mudar mais do que uns fragmentos, e escolher novos parceiros para o caminho – necessariamente os pais e a autarquia.
O sentido só pode ser o da crença na comunidade educativa local inscrita na matriz anglo-saxónica do associativismo. O que se propõe é aceitar o desafio que o futuro próximo há-de trazer, o de desligar a escola do poder central e vinculá-la ao poder local. Fora deste caminho, a escola pública irá transformar-se lentamente na escola daqueles que estão fora do arco social; os outros, como já está a acontecer, rumarão para as escolas particulares.
Uma última palavra de enorme satisfação para dizer que os professores João Ribeiro, Paula Costa e Marília Gomes aceitaram fazer parte da próxima direcção executiva da escola.
Queria também reconhecer publicamente, à professora Maria Manuel Fernandes, o serviço prestado à escola e a dedicação carinhosa e permanente aos alunos, principalmente àqueles que mais precisavam – os do regime educativo especial.


5. Por singular coincidência esta cerimónia coincide com a tomada de posse do presidente dos Estados Unidos. Faço aqui o voto de que alguma da chuva de esperança que parece abençoar o novo presidente possa cair também na nossa escola.


Muito obrigado.

Francisco Queirós


Director da Escola Secundária de Paredes

Nota: conheço o Francisco. Sei bem que a este discurso correspondem acções consequentes. Só lhe posso desejar as maiores felicidades nestes tempos de obscurantismo(s).

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