19/06/2006

Pela Profissão de Professor

Nós, Professores, manifestamos total repúdio pelo documento «Proposta de alteração do regime legal
da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário», tornado
público, pelo Ministério da Educação, no dia 27 de Maio de 2006.
Na sua globalidade, consideramos que a proposta é inadmissível por duas ordens de razões:
 a proposta de alteração do Estatuto da Carreira Docente destrói motivações profissionais e
impossibilita a construção de um sucesso educativo verdadeiro em prol de critérios
meramente estatístico-economicistas;
 a proposta, enquanto projecto de estatuto de uma carreira profissional, não tem coerência
interna, pois, a título de exemplo, batalha pela ideia de excelência mas limita a progressão dos
professores que revelam práticas de excelência instaurando o filtro das quotas de acesso à
categoria de elite; defende o direito de participação democrática dos professores no processo
educativo mas impossibilita os professores não titulares de desempenharem certos cargos
pedagógicos, impedindo-os de integrar órgãos tão importantes numa Escola como o Conselho
Pedagógico; apela à responsabilidade colectiva da organização escolar mas estimula o
individualismo, a colaboração artificial, a competição desenfreada, a arbitrariedade ou o
clientelismo; define o conteúdo funcional do exercício da profissão docente mas tolhe a
autonomia do profissional preceituando rotinas, reforçando a formalidade burocrática, a
uniformidade, a ritualização de processos e circunscrevendo as possibilidades de valorização
pessoal e actualização científica-pedagógica à oferta de iniciativa dos serviços centrais, regionais
ou locais do Ministério da Educação.
Especificamente, rejeitamos um Estatuto da Carreira Docente que:
 pressuponha o fim da carreira única e a criação de uma elite profissional que não pode
ultrapassar um terço do corpo docente: a constituição de duas categorias de professores não é
compatível com o desempenho de uma só profissão e a mesma certificação profissional; a
limitação do número de lugares de professores titulares por escola é um mero filtro
economicista e bloqueará, num limbo administrativo, remuneratório e desmotivante, 66% dos
professores que, neste momento, conjugam tempo de serviço com qualificações acrescidas já
obtidas (licenciatura; profissionalização e, nalguns casos, cursos de especialização, mestrados e
mesmo doutoramentos); a competição por um lugar na categoria de professor titular fará
aumentar os conflitos entre docentes e potenciará situações de favorecimento pessoal; de um
momento para o outro, professores que durante vários anos desempenharam os cargos de
Coordenação de Departamento ou Supervisão Pedagógica passam, por via administrativa, a ser
professores de uma carreira considerada inferior e são impedidos de continuarem a exercer
essas funções;
 desvalorize as crescentes exigências da profissão docente e o consequente aumento do desgaste
físico e psicológico que o exercício continuado da docência provoca nos seus profissionais,
alterando a idade requerida para a redução da componente lectiva dos 40 para os 50 anos de
idade, desde que o professor tenha 15 anos de serviço docente (ora, um professor que tiver
iniciado a sua actividade com 22 anos, aos 40 terá já acumulado 18 anos de exercício docente);
 preveja a aplicação de uma prova nacional de avaliação de conhecimentos e competências
para acesso ao concurso de provimento e de um período probatório destinado a verificar a
capacidade de adequação ao perfil de desempenho profissional exigível a docentes
profissionalizados, fazendo-se tábua rasa da formação já adquirida e desresponsabilizando-se
o papel das instituições do Ensino Superior na formação de docentes;
 conceba o processo de apoio a um professor em período probatório ou o de avaliação de
desempenho dos professores dos quadros como um processo individual e singular,
desintegrado das estruturas pedagógicas em que está inserido, longe das práticas de
cooperação e entreajuda que uma escola atenta, moderna e democrática exige (longe da
prossecução de um ideal de formação contínua quando de imediato se exonera quem, no
período probatório, obtenha classificação inferior a Bom);
 conceba o mérito profissional como um mero processo burocrático e economicista de
produção de elites, onde o mérito só se conquista ao fim de, pelo menos, 18 anos de serviço;
onde o sistema de quotas de classificação impede o acesso à excelência a 95% dos docentes (a
manterem-se as regras do SIADAP) mesmo que cumpram os requisitos para a obtenção da
referida classificação; onde as práticas educativas saem subalternizadas relativamente aos
procedimentos administrativos;
 preveja uma avaliação anual dos professores burocrática, ritualizante e desgastante; que
probabilisticamente faz diminuir as hipóteses de acesso ao escalão seguinte e que não tem em
conta os resultados de projectos pedagógicos plurianuais;
 considere a maioria dos docentes como proletários ou meros executores de políticas
concebidas sem a sua participação, dado que estão impossibilitados de integrar os órgãos de
gestão e decisão das escolas e, no entanto, defenda que o docente deve ser orientador,
psicólogo, animador, depositário de confidências, funcionário administrativo e gestor, para além
de professor (e que, depois de tantas sinergias dispersadas, faça depender a sua progressão ou
promoção individual dos resultados escolares dos alunos);
 imponha o exercício de funções docentes em regime de exclusividade, impedindo mesmo o
professor de exercer, no seu tempo livre e privado, outras actividades, transformando-o,
assim, num corpo profissional cativo do Estado;
 admita como indicadores de classificação de um docente as taxas de abandono escolar e
os resultados escolares dos alunos, fazendo pressupor que tais realidades resultam da acção
única e individual do professor (escamoteando o papel do aluno, da escola, das famílias, da
sociedade e das sucessivas políticas educativas governamentais), ao mesmo tempo que ou cria
incentivos à promoção de um sucesso educativo não verdadeiro mas estatístico ou cria
situações de injustiças flagrantes pois torna vulneráveis todos aqueles que trabalham em zonas e
com turmas problemáticas (p.e. turmas de currículo alternativo);
 defenda como indicador de classificação da avaliação de desempenho de um docente a
apreciação realizada pelos pais e encarregados de educação, na medida em que tal
prefigura uma situação ética inequívoca de conflito de interesses – os pais devem e podem
participar na vida escolar dos seus filhos e na avaliação das escolas mas não na avaliação
individual dos docentes;
 estabeleça um sistema de classificação onde a atribuição da menção qualitativa de igual ou
superior a Bom está subordinada a um critério eliminatório – o cumprimento de 97% do
serviço lectivo anualmente distribuído; um critério que impede a progressão de um docente que
fique doente, que necessite de prestar apoio ou acompanhamento a familiares, que falte em caso
de óbito ou casamento ou ao abrigo do Estatuto de Trabalhador Estudante; um critério que,
por exemplo, penaliza duplamente o direito à maternidade e à paternidade previsto na
Constituição da República, dado que os docentes que, no ano seguinte à licença, ultrapassarem
o limite dos 97% não obterão a classificação necessária à progressão na carreira pelo período de
dois anos;
 introduza uma desqualificação e subalternização dos docentes da Educação Pré-escolar
e dos Ensinos Básico e Secundário relativamente aos professores do Ensino Superior,
quando a constituição de júris de âmbito regional das provas de acesso para professor titular
fica reservada, total ou parcialmente, aos professores desse nível de ensino – ora, nem estes
conhecem a realidade da Educação Pré-escolar ou dos Ensinos Básico e Secundário, nem é uma
evidência que um professor, só porque lecciona no Ensino Superior, seja mais habilitado que
um colega que exerça noutros níveis de ensino;
 continue a privilegiar a aquisição de graus académicos (agora, o grau de doutoramento) como
possibilidade de bonificação mas esquece a excelência de projectos e práticas pedagógicas
inovadoras;
 limite a dispensa para frequência de acções de formação (exclusivamente organizadas pelo
Ministério da Educação) ao tempo não lectivo e assim afaste os docentes de uma formação
contínua adaptada aos seus interesses e necessidades;
 seja apresentado para discussão pública mas que ainda não apresente ou deixe por
regulamentar questões tão fulcrais como o regime de transição da carreira docente; o
regulamento de operacionalização da avaliação de desempenho; o regime de avaliação dos
professores do ensino especial; o regime de revisão e ajustamento dos quadros (rejeitando-se a
possibilidade de colocação de docentes do quadro de zona pedagógica em quadros da zona
geográfica limítrofe); o conteúdo dos índices remuneratórios; a forma como a actual situação
criada pela colocação trianual dos professores se adaptará a um novo Estatuto da Carreira
Docente, tanto mais que quando os docentes concorreram o conteúdo da proposta não era
conhecido.
Assim, defendemos um Estatuto da Carreira Docente que:
 defenda o mérito e a motivação profissionais no desempenho da função docente como elos
essenciais para a edificação de uma Escola e de uma Educação de sucesso;
 percepcione a exigência e a complexidade da função docente e assim promova a sua valorização
através da definição de um conteúdo funcional da profissão orientado para a prossecução de
uma Escola de excelência e qualidade quer para os alunos, quer para os professores e do
incentivo à cooperação e solidariedade profissionais, no contexto das estruturas pedagógicas
existentes nas escolas;
 conceba uma avaliação de desempenho rigorosa, objectiva, desburocratizada e sem sistemas de
quotas, de modo a que saiam valorizadas as práticas pedagógicas realizadas ao longo dos anos e
se reconheçam os saberes adquiridos;
 crie mecanismos de avaliação formativa, no contexto das escolas e das suas estruturas
pedagógicas, capazes de suprir as dificuldades ou fragilidades dos docentes em período
probatório;
 incentive, efectivamente, a participação democrática dos professores na organização funcional
das escolas;
 impeça apenas a acumulação de funções eticamente incompatíveis;
 se concretize como um instrumento legislativo funcionalmente coerente e completo.
Junho de 2006

1 comentários:

Anónimo disse...

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