26/06/2006

A agenda da ministra da Educação

Na sequência dos artigos anteriores, também houve uma professora do ensino básico que conseguiu colocar um artigo de opinião nos OCS dizendo alto o que vai na alma de todos nós.
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Uma virtude esta ministra da Educação tem: pôs o País inteiro a falar das escolas e dos professores; não era sem tempo!Um erro crasso foi cometido pela ministra: em vez de diagnosticar com rigor e honestidade o "estado da Educação", elegeu um bode expiatório, a classe docente, e encetou com ela uma guerra desigual; divulgou nos meios de comunicação uma infindável série de acusações e denegriu a imagem de todos os professores, o que vai agravar ainda mais as já complicadas relações entre os actores dentro da escola.Obviamente que os professores não estão isentos de culpas; mas fazer deles os únicos responsáveis pelo estado efectivamente calamitoso a que chegaram as escolas deste país é de uma injustiça gritante.Numa das suas plácidas agressões, a ministra afirmou que os professores não têm uma cultura de sucesso. Ao contrário dos médicos que, no hospital, buscam o doente mais difícil, os professores votam ao abandono os alunos problemáticos. Aqui só falta acrescentar que o doente quer, acima de tudo, curar-se; o aluno, ao contrário, quer continuar difícil e sabe que pode continuar assim por muitos e bons tempos sem que nada lhe aconteça! A impunidade que a tutela criou nas escolas deixa aos alunos tempo, espaço e oportunidade para transformarem os tempos escolares em momentos de folia que não conseguiriam ter em qualquer outro lugar. Vão à escola sem livros, sem materiais, usam uma linguagem desafiadora, perturbam onde e quando querem e até ousam perguntar ao professor "o que é que ele tem a ver com isso".Os pais, quando aparecem, ou se declaram incapazes de alterar a situação ou agridem os professores, porque não acolheram com paciência e carinho a rebeldia da criança ou do jovem. Quando tais ocorrências são comunicadas superiormente, vem então o gabinete de segurança do ministério lamentar nada poder fazer e, de forma cortês, apresentar a sua solidariedade aos professores em causa!A ministra poderia dar a receita milagrosa que tem para fazer com que aprendam todos aqueles que não querem aprender. Se não tem essa receita, atrevo-me a sugerir-lhe que passe a responsabilizar, com coimas, por exemplo, as famílias cujos educandos esbanjam os dinheiros públicos através de sistemática negligência na escola.São as catadupas de documentos que recebem e perdem de imediato, são os livros e as refeições pagas, são os passes de transporte público e - pasme-se - para alguns chegarem à escola, por vezes, de táxi!E de caminho poderia também legislar ao arrepio de tudo o que tem sido o corpo normativo da vida escolar. Acabe com as centenas de papéis inúteis que se preenchem e fotocopiam para dizer o que é óbvio: quando o aluno não trabalha, não aprende, logicamente, não deveria transitar. Mas os ensaios teóricos sobre as competências que não adquiriu, aquelas que ainda poderá adquirir, os malabarismos que se poderão gizar para o efeito, a prosa arrevesada que se escreve e lê só consomem a paciência e a disponibilidade dos professores, retirando credibilidade aos processos. E ao cabo de tudo isto, malvados professores , pagos a peso de ouro (…), que nada fazem para transformar estes alunos em jovens responsáveis, motivados, competentes nas áreas em que é suposto sê-lo.É sobejamente estranho que a ministra, sendo socióloga, nunca tenha equacionado publicamente nenhuma destas questões. Será que só ela ignora que há uma componente social muitíssimo forte no insucesso escolar? Que as crianças e os jovens transportam para a escola uma cultura de facilitismo reforçada depois, dentro da própria escola, por correntes pedagógicas desresponsabilizantes porque viradas mais para o entretenimento (de que são exemplo típico as aulas de substituição) do que para a aprendizagem?Sobre isso, nem uma só palavra. E porquê? A ministra propala que alguns sindicatos têm uma agenda político-partidária que não é a agenda da Educação, pois a agenda da ministra também não é a da melhoria da Educação. A agenda desta ministra é de carácter economicista e o que ela pretende é deixar tudo na mesma, pagando menos a quem faz - os professores. É isto que está patente na proposta que prevê que apenas um terço dos professores de cada escola possa ascender ao topo da carreira. Só um terço pode ser excelente e ganhar pelo topo da tabela, mas todos têm que aguentar os dislates do sistema se quiserem continuar na profissão. É preciso topete!
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Maria Telma Rendo, Professora do ensino básico
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5 comentários:

SL disse...

Mais um artigo doente de razão. A questão que se coloca é: se os professores vêm o estado da coisa, se tantas vozes se levantam a alertar para o estado das coisas, se o país inteiro percebe que algo não está bem, O QUE RAIO andam a fazer sucessivos ministérios da Inducassão que não conseguem perceber que o rei vai nu?

SL disse...

A propósito, um excelente artigo na blogosfera: http://ogintonico.weblog.com.pt/arquivo/2004/06/educacao_versus.html

SL disse...

E ainda uma pérola: Dizia Agostinho da Silva: "Da criança nada há a exigir senão que se desenvolva segundo o seu ritmo e toda a interferência tiranizante do indivíduo adulto não lhe pode ser senão prejudicial; o respeito pela personalidade infantil, a recusa de toda a acção modeladora decorrem naturalmente da ideia de que o impulso vital da criança é soberano." Alguém acha isto DEFENSÁVEL? Isto é a negação do próprio construtivismo piagetiano! Isto é a negação da educação tal como a definimos desde há mais de 4 séculos!

IC disse...

Tenho é dúvidas se será fácil os OCS publicarem artigos de opinião pouco "convenientes" para o Governo. Mais professores poderiam começar a tentar, mas... hum, não me parece que não tivessem alguma resposta de falta de espaço...

SL disse...

Por acaso, sei que até já aconteceu...