Vou tentar explicar-lhe, utilizando-a como exemplo.
O que a Sr. Ministra nos pede é qualquer coisa como isto:
Feito um plano de actividades do Governo, cada ministro tem que apresentar os objectivos individuais ao seu “chefe”.
Até aqui tudo bem; é lógico que cada um se proponha desenvolver isto ou aquilo (aliás, o seu parece ter sido a implementação da avaliação docente). O que já não é lógico é que o seu “chefe” a vá classificar, digo bem, classificar, atribuindo-lhe 3 pontos, 5 pontos, ou quaisquer outros pontos em função do que consegue fazer com esse objectivo. Está a ver… para mim o seu trabalho situa-se abaixo de zero, para o pai da nação só tem 3 pontos porque não está a conseguir prender-nos à sua decisão, para os seus pares, tem 10 pontos, está a conseguir desviar todas as atenções do não cumprimento de objectivos deles, para o seu chefe, tem 5 pontos pela atitude de teimosia, – 5 pontos por lhe estar a causar um grande rombo na futura contagem de votos, ficando portanto a zero e ainda -5 pontos por ter tido que sair em defesa dos seus objectivos.
.Como vê, para a mesma consecução de objectivos, cada um atribui os pontos que entende, conforme a percepção do valor que o objectivo e a sua acção para o desenvolver, tem em função do seu próprio conceito.
.O seu objectivo era uma acção específica! No entanto, como vê essa acção não pode ser mensurável. Não pode ser classificada linearmente porque não se trata de produzir x artefactos. É uma acção que envolve parâmetros não quantificáveis, que envolve contextos mutáveis, que envolve variáveis de todas as espécies e que, sobretudo, envolve "outros", com vontade própria, que por isso podem ou não contribuir para a consecução do seu objectivo .É este um dos nossos problemas. Sr.ª Ministra!
Como quantifica uma acção de escola que me proponho desenvolver? No ano passado, por exemplo, propus um projecto ao agrupamento – os jogos olímpicos (já era a 3ª edição, veja bem). Do projecto constavam várias itens, alguns dos quais de cooperação. O projecto foi aceite, com grande entusiasmo, no entanto, ao longo do ano, a cooperação não foi sendo a que poderia esperar aquando das “conversas” iniciais. O projecto correu bem, a festa final foi bonita, mas não tinha tudo o que eu tinha proposto. Como classifica isto? Como traduz isto em pontos? Que pontos me atribui a mim e que pontos atribui ao resto do grupo? Houve pessoas que gostaram muito, houve pessoas que acharam que se podia ter ido mais longe, houve pessoas que talvez não tenham gostado. É o chefe que tem que decidir. E se, apesar de todo o trabalho, o chefe até nem gosta daquele tipo de acção, porque lhe alterou a rotina do funcionamento habitual do agrupamento? Ou porque ele achou que distraiu as pessoas doutras “coisas” a que ele dá mais importância? E se o chefe prefere outro tipo de acções e acha que aquele tipo de trabalho nada tem a ver com o que ele gosta? E se o “chefe” não gosta de mim e, apesar da concretização do projecto ter sido um sucesso, ele descobre defeitos, ou decide que, como projecto comum que era, os “louros” podem ser atribuídos a outros, diminuindo ou mesmo anulando a minha acção?
.Pois, srª ministra! Isto é tudo muito subjectivo!
.Imagine, agora, srª ministra que a srª é a avaliadora aí do seu governo. Imagine que tem que avaliar os seus pares, por exemplo, os ministros Santos Silva, Mário Lino, Luís Amado (bem bastam estes… eu tenho 17!) e os seus Secretários de Estado. Para isso, depois de ter passado horas infindáveis em reuniões para elaborar umas grelhas de registo de itens em que vai ter que medir coisas como empenho, participação, conhecimento, cientificidade, etc, tem que ir assistir a reuniões de cada um deles, tem que analisar as suas propostas no contexto das propostas que efectuam para saber se estão em consonância com os pressupostos da planificação que fizeram, se estão em consonância com o programa do governo, se estão em consonância com o programa do partido. Tem que verificar se são adequadas à população a que se destinam, se são viáveis, se estão enquadradas com a realidade, se eles as expuseram de uma forma equilibrada, clara, perceptível a todos, se são cientificamente correctas. Tem que saber quantos dos destinatários as aceitam e desenvolvem, quantos abandonam o projecto, quantos são incapazes de o cumprir. Tem que analisar os meios de divulgação, ver se utilizam meios audiovisuais, meios tecnológicos de informação, se esses meios são atraentes, cativantes, produtores de mais adesões aos projectos. Tem que analisar a capacidade dos seus “avaliados” de interagir com os diferentes elementos presentes nas reuniões.
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Antes e depois de cada reunião, tem que conversar com os seus avaliados para saber o que vão fazer, o que foi feito, como acham que se “saíram”, se conseguiram o que se propunham, se não o conseguiram porquê; para lhes dizer que achava melhor que tivessem “ido” por aqui… ou por ali…, que talvez se tivessem utilizado “isto” ou “aquilo” tivessem “prendido” e/ou “convencido” melhor os seus interlocutores, etc. Tem que saber o que vai avaliar, penso eu… a não ser que, talvez siga o conselho que nos deram: se não for da sua área, observa apenas “o clima da reunião”.
A seguir, terá que ir, in loco, fazer a observação de 3 sessões práticas da implementação de acções que propuseram fazer e registar, mais uma vez, tudo o que observou.
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Depois disto, tem que fazer, nas tais grelhas, nas grelhas que foram aprovadas no início do processo, iguais para todos, independentemente da especificidade da sua área, o registo de tudo o que viu e “avaliou”, atribuindo classificações a cada item não esquecendo a sua infinita divisão em descritores.
Tem que classificar, cada um dos seus pares, e dos seus “quase” pares! Tem que classificar o Ministro que já foi Ministro do seu ministério e que agora tem a seu cargo os Assuntos Parlamentares. Tem que classificar o Ministro das obras Públicas. Tem que classificar o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Tem que classificar os seus Secretários.
Tem que classificar cada um dentro da área deles, área que não é a sua .
Tem que fazer isto várias vezes para cada um dos seus avaliados.
(E não se esqueça que alguém lhe está a fazer o mesmo!)
Diga-me, agora, quando tem tempo para “ministeriar” o seu ministério? (bem… se isto lhe tivesse acontecido, teria sido uma bênção para nós!)
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Ah! Mas isto ainda não está concluído!
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Chegou o final do ano! Entretanto o seu “chefe” teve que avaliar a prestação de cada um dos seus avaliados e a sua, e ainda as dos outros todos, avaliadores e avaliados! Teve que ver quantas vezes faltaram, mesmo quando estiveram doentes, quando foram a consultas médicas, quando o motorista apanhou trânsito e chegaram 5 minutos atrasados, etc; se conseguiram os objectivos a que se propuseram; se houve gente que tivesse abandonado os vossos projectos; como se processou a vossa relação com a comunidade; se apoiaram quem não vos percebia desenvolvendo acções de apoio individualizado para além do vosso horário de trabalho; etc.
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Agora, terá que fazer uma reunião conjunta, com o seu “chefe” e com cada um dos seus avaliados, para "apreciar" a ficha de auto-avaliação de cada um deles. Em seguida quer o seu chefe, quer a Srª Ministra terão que atribuir a classificação de cada um dos avaliados. Tudo isto depois de ter preenchido, nas inúmeras fichas que existem para registo dos resultados, as classificações, em pontos, de cada item que era obrigada a observar, mesmo que esses itens sejam completamente subjectivos, mesmo que nada tivessem a ver com a sua área específica de acção (tem, por exemplo, que classificar o projecto do aeroporto do ministro Mário Lino, analisando todos os itens do projecto – tipos de construção, materiais utilizados, adequação às necessidades dos utentes, ligação aos outros planos de intervenção local, verbas gastas, etc).
Feita a reunião de avaliadores, terão que chamar, novamente, cada avaliado para lhe dar conhecimento da classificação obtida. (Diga-me, Srª Ministra, conseguiu produzir mais algum trabalho, além do trabalho de andar a avaliar?)
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Imagine, agora, Srª Ministra, que para Ministros as quotas de Excelentes se traduzem em 1 (vocês nem 20 são... e este é o número necessário para que haja pelo menos 1 excelente!) e as quotas de Muito Bom em 4. Diga-me como as atribui? Diga-me onde e como se enquadra entre os seus pares? Diga-me, como na reunião de avaliadores, a Srª que é avaliadora, os outros avaliadores e o nosso 1º, avaliador chefe, vão "distribuir" os ministros pelas diferentes quotas. Lembre-se de que só há 1 Excelente!
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Diga-me, Srª Ministra, no seu entender (não no meu) acha que só há 1 Ministro Excelente? Acha que não, que todos o foram… ou que talvez haja alguns que tenham sido apenas Muito Bons. Pois é, Srª Ministra! Mas só há 1 lugar para 1 Excelente e para 4 Muito Bons! O resto terá que se ficar pelo Bom (já nem falo de Regulares e Insuficientes porque sei que acha que no seu governo não existe disso...).
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Está-me a dizer que uma escola e um governo são coisas completamente diferentes?!
Porquê, Srª Ministra? Não precisamos de saber qual o grau da vossa excelência, quais os produtores de boas práticas? Não precisamos que no governo seja diferenciado o mérito, para termos pontos de referência?
Diz-me que o governo é avaliado, todos os dias, pelo povo, porque o governo é avaliado em cada ciclo eleitoral, pelos eleitores.
E depois, Srª Ministra? Também nós, nas escolas, para além da nossa avaliação interna, somos avaliados todos os dias pelos pares, pelos funcionários, pelos alunos, pelos pais.
.No entanto, não é por isso, não é por já sermos sobejamente avaliados, que não queremos esta avaliação que nos quis oferecer. Não queremos esta avaliação porque não tem lógica, porque não serve para melhorarmos e porque não nos deixa trabalhar, como lhe mostrei que lhe aconteceria se aplicasse, a si e ao seu governo, o que nos quer aplicar a nós.
Nota: E nem falei das horas e horas perdidas na concepção dos instrumentos de registo (horas roubadas ao trabalho com alunos, horas roubadas ao trabalho de preparação das aulas, horas roubadas ao descanso). Instrumentos estes que irão ser demasiado diferentes de escola para escola, para um universo de pessoas que concorrem a um mesmo concurso e vão ser penalizadas ou beneficiadas de acordo com a população da sua escola e o número de elementos existentes em cada categoria a classificar.