21/10/2005

Ministra dá entrevista no Público

Pode ler a entrevista da Ministra aqui (texto retirado de www.sinape.pt)

3 comentários:

SL disse...

Entrevista com a Ministra da Educação

512 escolas com elevado insucesso vão ser encerradas no final do ano lectivo
A ministra da Educação diz que a revalorização das escolas do 1.º ciclo vai continuar a ser a sua prioridade em 2006. Meio milhar de estabelecimentos de ensino de reduzida dimensão e que são simultaneamente aqueles que apresentam taxas anormais de repetência já não vão funcionar no próximo ano. As direcções regionais estão a estudar soluções para a deslocação de alunos e professores e a tutela promete ajudar as autarquias. Por José Manuel Fernandes e Isabel Leiria (textos) e Rui Gaudêncio (fotos)

Com um crescimento de 0,2 por cento no seu orçamento, como é que vai pôr em prática as medidas que tem anunciado?

O que aumenta no orçamento do Ministério da Educação (ME) é o PIDDAC [Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central]. Houve um acordo que permitiu aos ministérios que poupassem no funcionamento transferir verbas para investimento - ou seja, parte do aumento deve-se ao trabalho interno que fizemos para reduzir as despesas de funcionamento.

Onde é que fizeram os cortes?

O orçamento do ME é quase todo para salários do pessoal. Este ano essa contenção foi mais fácil por força das medidas tomadas no quadro de estabilidade orçamental e do congelamento das carreiras. Este congelamento permitirá também rever o modelo de progressão e controlar de outra forma a evolução futura da despesa, pois só as progressões na carreira representavam cerca de mais três por cento ao ano.
O congelamento permite que as despesas não aumentem, não faz com que baixem...
O facto de termos regulamentado a componente não lectiva, dispondo as escolas hoje de outros recursos, e de termos controlado o mecanismo de colocação de professores permitiu-nos alguma economia nas remunerações e acomodar assim os outros aumentos para o ensino profissional, o programa do Inglês no 1.º ciclo e a comparticipação das refeições do 1.º ciclo.

Houve redução no número de professores contratados do passado ano lectivo para este?

A comparação das colocações cíclicas de 2005 com as deste ano mostra-nos que em cada fase há uma redução do número de contratações, quase sempre para metade. Temos menos sete mil professores no sistema do que em 2004, entre menos contratados e os que entretanto saíram.

O aumento do PIDDAC vai ser canalizado para que áreas?

Para a melhoria da rede escolar. A gestão destas verbas era feita no passado pelas direcções regionais em ligação com as autarquias, o que fez com que se perdesse uma visão nacional da rede e do investimento e ocorressem muitas distorções. Encontrei um PIDDAC que, se não lhe mexesse, tinha todo o dinheiro comprometido nos próximos cinco ou seis anos só para pagar pavilhões gimnodesportivos, mesmo estando a rede escolar num estado que exige intervenção urgente. A minha preocupação foi inverter as prioridades e passá-las dos pavilhões para o espaço da escola.


Que tipo de problemas existem na rede?

Temos problemas nas zonas urbanas, na região de Lisboa e no Porto, com escolas antigas que estão degradadas. Só em Lisboa há 13 estabelecimentos a necessitar de intervenção urgente. Outra decisão que tomámos foi a de encerrar já no próximo ano lectivo aquilo a que chamo "escolas do insucesso", que são sobretudo do 1.º ciclo e de pequena dimensão, escolas onde o nível de repetência é muito superior à média nacional.

Esse levantamento já está feito?
Encontraram uma correlação entre escolas pequenas e maiores níveis de insucesso?

Está feito e a correlação é impressionante. O cruzamento das taxas de repetência com a dimensão das escolas permite desenhar um gráfico de uma clareza total. As taxas anormais de insucesso estão praticamente todas localizadas em estabelecimentos com menos de 20 alunos. Pedi para as listarem e chegámos a um total de 512. No próximo ano essas escolas já não abrirão, uma responsabilidade que terá de ser partilhada com as autarquias.

Encontraram outras correlações com insucesso?

Encontrámos pontos negros à volta de Bragança e da Guarda, em Lisboa e no Porto, para além de uns focos de reduzida dimensão no Alentejo. O que as direcções regionais estão a fazer é a contactar as autarquias e a procurar no contexto escolas para onde possam ser deslocados os alunos e os professores das que vão encerrar e a ver o que é que isso significa em termos de transportes escolares. Depois teremos um ano para resolver os problemas de fundo da rede escolar, identificar os pontos em que é preciso construir novas escolas.

Está disponível para ajudar as autarquias?

Não há outra solução. Até porque muito provavelmente estas decisões vão afectar concelhos com fracos recursos e pouca motivação para investir na educação.

O orçamento chega?

Não estamos a falar de nenhuma enormidade em termos de despesas. Muitas vezes sai seguramente mais barato alugar um táxi para transportar as crianças do que manter certas escolas abertas. Até porque muitos professores não se fixam e é necessário substituí-los, sendo que numa destas escolas com pouquíssimas crianças chegamos a colocar 18 docentes num ano. Isto não sai caro, sai caríssimo. Mas o problema não é o custo, é nenhuma criança poder ter sucesso assim. Não podemos ignorar que temos 500 escolas de insucesso consistente, que falharam sempre nos últimos três anos.

Colocações plurianuais vão ser obrigatórias

Quando anuncia a colocação dos professores nas escolas por vários anos, refere-se aos contratados ou aos que fazem parte dos quadros?

Estão em aberto todas as possibilidades. O problema é que o sistema de colocação de professores privilegia a mobilidade dos professores e não o interesse das escolas e dos alunos. Os professores têm o direito de pedir para mudar de escola todos os anos, o que não é aceitável. Assim como é preciso resolver o problema dos quadros de zona pedagógica, que chegam a ter a dimensão de um distrito, prejudicando os professores.

Como?

Trabalhando no conceito de quadro do agrupamento. Os directores das escolas saberão com que professores podem contar no ano seguinte para dar continuidade ao seu projecto.

Nessa lógica não devia ser adoptado um mecanismo que desse às escolas mais autonomia na selecção dos professores?

Essa ideia não me choca. Não me revejo no actual modelo excessivamente centralizado, em que até os horários de sete horas vão a concurso nacional. Há um desajuste entre a geografia e os interesses dos professores e das escolas que não tem nenhuma justificação. Mas nos sistemas públicos também temos a necessidade de garantir que há professores de qualidade em todas as escolas, que há igualdade de oportunidades e universalidade no sistema.

Qual seria então o modelo de colocação de professores alternativo?

Vamos fazer agora pequenas alterações e teremos depois quase um ano para pensar.

As colocações plurianuais avançam já. Vão ser uma opção dos professores ou a sua aceitação será obrigatória?

Será obrigatória, mesmo podendo prever-se muitos mecanismos para criar essa obrigatoriedade, através de desincentivos ou de penalizações. O que importa é contrariar a cultura de mobilidade há muito enraizada.


"Estava quase a achar-se normal uma criança ir à escola e não ter aulas"

As alterações à organização dos horários dos professores e do período de funcionamento das escolas do 1.º ciclo foram as medidas mais difíceis até agora tomadas, assume a ministra da Educação. E, se admite problemas, recusa-se a aceitar que casos pontuais ponham em causa decisões que "têm toda a razão de ser".


O ministério conhece a dimensão do absentismo dos professores? Foi isso que a levou a definir a ocupação dos "furos" dos alunos como uma das prioridades?

Setenta por cento dos professores são mulheres, as mulheres têm filhos e têm de cuidar deles e é esta questão, que se coloca em todas as organizações em que o trabalho é predominantemente feminino, que não podemos iludir. A especificidade do absentismo no ensino é que tem um efeito muito maior. Quando um professor falta e a escola não se organiza, são 30 famílias que são afectadas. Uma criança entra na escola para estudar o dia todo, não pode, por uma razão qualquer, ficar sem aulas e ir jogar à bola ou para o café. O tempo lectivo tem de ser pleno.

O absentismo entre a classe docente é superior às outras profissões predominantemente femininas?

A minha preocupação é que a organização escolar tenha resposta para estas disfunções. Se um professor faltou, paciência. Agora a escola tem de ser capaz de ocupar as crianças, até para dar um sinal de disciplina de trabalho e de dedicação ao estudo. Estava quase a considerar-se normal que uma criança pudesse ir para a escola e se tinha aulas tinha, se não tinha não tinha.

As tarefas que os professores estão a ser chamados a desempenhar têm criado divergências com os sindicatos.

Não há uma divergência profunda em relação à componente não lectiva. Os sindicatos reconhecem que há uma parte no trabalho dos professores que é individual e outra que tem de ser dedicada a trabalho nas escolas. A grande discordância é que os sindicatos são da opinião de que o ministério devia dizer qual o número de horas de cada componente, em vez de serem as escolas a fazerem-no.

Os sindicatos também dizem que os professores estão a ser obrigados a realizar tarefas que "desvirtuam" a função docente e atentam contra a sua dignidade profissional .

Tenho dito aos sindicatos que gostava que me fizessem chegar informação sobre se as orientações estão a ser mal aplicadas ou se há abusos, mas até hoje não me chegou uma única queixa de um caso concreto. Perante casos concretos interviremos.

Um caso concreto é pedir-se a professores dos 2.º e 3.º ciclos para acompanharem meninos do 1.º ciclo. Faz sentido recorrer a pessoas que não têm preparação para estar com crianças para garantir, por exemplo, o alargamento do horário das escolas?


Faz todo o sentido. Por um lado, há um artigo no estatuto [da carreira docente] que diz que todos os professores sem excepção têm o dever de acompanhar alunos dos diferentes níveis de ensino. Por outro lado, no que respeita à formação inicial, quase não há distinção entre a preparação dos docentes do 1.º ciclo e do 2.º ciclo. Não me parece que haja aqui qualquer ataque à dignidade da função docente, pelo contrário: é uma oportunidade para os professores circularem e contactarem com docentes de outros ciclos. O que estava mal era haver profissionais sem uma actividade distribuída e, no mesmo agrupamento, existirem escolas do 1.º ciclo a precisarem de professores.

Um professor do 2.º ou 3.º ciclos pode não se sentir preparado para estar com crianças de 6, 7 anos...

O facto de um professor em concreto não se sentir preparado não pode servir para se rejeitar em abstracto uma medida que tem toda a razão de ser.

Acredita que a nova organização dos horários, que obriga os professores a passarem mais horas nas escolas, altera as suas rotinas e melhora o sucesso dos alunos?

O alargamento do horário e a revalorização do 1.º ciclo são as medidas mais difíceis que tomei até agora e, se calhar, das mais difíceis que vou tomar nestes quatro anos. São iniciativas simples mas que têm um enorme significado, sendo que segredo do seu sucesso pode estar no acompanhamento e no apoio às escolas para superarem as dificuldades que surgirem.

Que dificuldades sentem as escolas?

Umas são dificuldades objectivas, outras resultam da resistência subjectiva à mudança. Por isso é que o apoio do ME é importante, para identificar os casos em que faltam meios, salas, professores. Às vezes a escola também não sabe como fazer, porque se habituou a outra forma de funcionar.

Preocupam-na os sinais de descontentamento e desmotivação dos professores?

Sou professora e preocupa-me uma certa desmotivação ou até uma certa representação social negativa dos professores. Mas a desmotivação não pode ser invocada para resistir, pois, quando vou às escolas, não é isso que sinto. As pessoas percebem o sentido das medidas, mas é preciso dar tempo e distinguir o que é pontual e circunstancial dos problemas de fundo. Essa percepção global ainda não a temos.

"Escolas vão ter de reflectir sobre os resultados dos exames"

Em ano de estreia das provas nacionais do 9.º ano, os resultados revelaram-se péssimos a Matemática: 70 por cento dos alunos tiveram negativa e o ministério quer que as escolas avaliem o que falhou e elaborem estratégias de recuperação.
O que pensa fazer com os resultados das avaliações que estão disponíveis?


Os exames nacionais são uma peça essencial do sistema. Não para seriar alunos, mas para fazer a monitorização da qualidade do ensino e das dificuldades de concretização dos programas. Só que não têm estado a ser utilizados para essa finalidade. Nem os exames, nem as provas de aferição, nem os resultados do PISA [Programme for International Students Assessment]. O que queremos é que Júri Nacional de Exames e o Gabinete de Avaliação Educativa acompanhem as escolas na reflexão que têm de fazer sobre os resultados e que estas definam planos de recuperação. O quadro era de total desresponsabilização.

No que refere às aulas de recuperação para os alunos com várias negativas, como é que as escolas vão integrar estas horas a mais nos horários de alunos e professores? Quem é que vai dar apoio?

São perguntas às quais as escolas terão de responder, pois ao ministério só cabe definir os referenciais de organização. Temos de voltar a centrar a política educativa nos resultados, de combater o insucesso, de ter mais alunos a concluir o secundário. A probabilidade de um aluno que começa a repetir aos 7 anos ter insucesso no resto da escolaridade é enorme, o que significa que a repetência não serviu para nada. É por isso que já há escolas que se organizam para recuperar esses alunos.

Mas nas que ainda não se organizaram...

Têm de organizar-se. A recuperação dos alunos tem de ser uma actividade normal das escolas e os recursos que têm já são suficientes.

Em muitas escolas as dificuldades que os professores enfrentam já são muitas...

Sei que o desafio de ensinar os alunos que têm dificuldades é um trabalho muito exigente e de uma dignidade e generosidade enormes. Mas o desafio é as escolas dizerem-me o que necessitam, não invocarem falta de condições em abstracto. Quando uma escola ou um professor me escreve uma carta a dizer concretamente o que necessita, raramente fica sem resposta.

Vai manter a o peso de 30 por cento dos exames do 9.º ano no cálculo da nota final?

Vou avaliar os exames antes de tomar qualquer decisão. Não excluo a hipótese de ser necessário mudar, mas tenderia a não alterar nada.

As provas de aferição no 4º e 6º anos são para continuar?

Têm de continuar. Não temos outros instrumentos de avaliação externa. O problema, de novo, é que se instituíram as provas e depois não se fez nada. Foi um muro de lamentações à volta dos resultados sem consequências. No programa de formação contínua de Matemática que criámos para os professores do 1.º ciclo já foram tidas em conta as falhas que os resultados evidenciaram.

E até que ponto esses resultados podem servir para avaliar da actuação de um conselho executivo?

O ministério não dispõe de uma avaliação sistemática das escolas que lhe permita fazer isso, mas no futuro queremos avaliar os resultados não tanto dos exames, mas da capacidade de resposta das escolas ao desafio do insucesso, da eficácia e da eficiência.
Metade dos professores já estão nos três escalões mais altos da carreira docente
Se todos os relatórios de actividade que os professores fazem antes de subir de escalão são valorizados com a nota máxima, tem de concluir-se que não estão a funcionar como uma avaliação de desempenho, afirma a ministra da Educação. Mais: "Actualmente é possível um professor progredir na carreira estando dispensado de dar aulas."

O congelamento das carreiras por um ano vai permitir reavaliar o sistema de progressão, explica Maria de Lurdes Rodrigues. "Precisamos de ter uma componente de avaliação de desempenho que valorize os professores que efectivamente dão aulas, que têm várias turmas, que se envolvem no esforço da recuperação dos alunos." Até porque, acrescenta, os obstáculos que se possam criar "são valorizadores" da função docente. "Penso que os professores que são muito empenhados também não se revêem neste regime em que praticamente não há distinções entre os que trabalham muito e os outros."
O resultado de não se ter controlado o mecanismo de progressão, critica, é que nos últimos anos o sistema ficou com "50 por cento dos professores nos últimos três escalões do carreira". "Obviamente que esta situação tem de ser trabalhada, temos de construir progressivamente uma hierarquia, que distinga os professores com mais experiência e mais competências, até para distribuir correctamente as responsabilidades. Neste momento um professor em início da carreira ou no 10.º escalão pode estar a exercer exactamente as mesmas funções", observa a ministra

Público – (20.10.05)

Goretti disse...

Acho q já fiquei sem vontade de almoçar. Fiquei mesmo enjoada...

SL disse...

Peço desculpa aos mais optimistas pelas minhas palavras, mas às vezes há verdades que convém ouvir antes que seja tarde.

O que a ministra diz, o que o ministro das finanças diz, o que os economistas dizem, é que o Estado tem de emagrecer nas despesas. E a intenção é fazer isso à custa dos funcionários públicos. Como nada se faz contra a vontade das maiorias, a comunicação social encarregou-se de incendiar os ânimos contra o funcionalismo público. Note-se que quem controla a comunicação social são figuras ligadas ao poder; desengane-se quem pensa que a comunicação social é isenta.

Para mal dos nossos pecados, os dois únicos partidos com ambições governativas deste país não são assim tão diferentes um do outro - há dias até ouvi um comentador político dizer que Sócrates está mais perto de Cavaco do que de Soares, o que não deixa de parecer estranho.

O que é que isso significa?
Significa que as perspectivas de emprego são péssimas para os actuais contratados e desempregados. Aliás, são péssimas ATÉ para os professores dos Quadros, pois a tendência é para proporcionar condições de trabalho progressivamente piores. Pouco ou nada há a fazer contra isso, ois a lei do mercado é muito simples: há muita oferta de mão-de-obra no ensino; logo, é possível baixar os salários a essa gente toda - quem não está bem, muda-se.

Portanto...