O "Escândalo Sokal" é um acontecimento histórico do final dos anos 90. Suscitou um aceso debate sobre os critérios de cientificidade do conhecimento humano. É necessário contextualizá-lo:
O processo de publicação de um artigo científico ou académico nas chamadas Ciências Humanas é bem conhecido: fazem-se mestrados e doutoramentos com base em trabalhos de investigação que, na sua esmagadora maioria, são traduções rasteiras de outros trabalhos publicados em Espanha; paga-se
Pelo contrário, qualquer artigo científico no âmbito das Ciências da Natureza obedece a um sistema de "b/ind refereeing": para evitar compadrios na atribuição de mestrados e doutoramentos, ou facilitismos na publicação de artigos em revistas científicas, cada investigador submete os seus resultados empíricos a um editor. Este entra em contacto com uma equipa de sábios, académicos consagrados, que analisam empiricamente o estudo sem saber quem é o seu autor. Se o artigo for bom, é publicado; se for mau ou apresentar imprecisões, é recusado. É assim em todo o mundo civilizado, mas não em Portugal.
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O que fez Sokal?
Aproveitando a inexistência de um sistema de blind refereeing nas Ciências Humanas, fez publicar numa das mais prestigiadas revistas pós-modernas (a Social Text) um artigo onde defendia os conceitos mais absurdos (que fariam rir até à lágrimas qualquer estudante do ensino secundário), recorrendo ao mesmo tipo de linguagem palavrosa e hermética que é típica dos pós-modernos. Por incrível que possa parecer, o artigo foi publicado, demonstrando-se ao mundo que, no âmbito das Ciências Humanas, qualquer Imbecil pode publicar qualquer
idiotice, porque ninguém o coloca
Posto isto, só restam três opções teóricas/filosóficas para solucionar a "Guerra das Ciências":
1. Manter uma posicão pós-moderna. Esta posição é inviável.
2. Assumir uma posicão radical: um neo-neopositivismo. É a posição teórica favorita de todos aqueles que durante anos tiveram de suportar algumas teses obscuras, tais como "a matemática é uma ciência humana", "tudo é relativo", etc.. No fundo, ao rejeitar absolutamente o pós-modernismo, esta atitude deita fora o bebé e a água do banho, isto é, não separa o trigo do
joio: não reconhece qualquer mérito ao pós-modernismo e assume um retrocesso e ao positivismo de Comte;
3. Assumir uma posicão pós-pós-modernismo: reconhecer "'os erros da pós-modernidade, rejeitá-los e fazer uma síntese hegeliana entre o espírito positivista e o legado pós-moderno. É esta, em definitivo, a minha opção, embora a sua sedimentação em termos académicos e culturais seja tarefa
Ou seja, o que estou eu a dizer?
Estou a dizer que não me custa NADA, mas mesmo NADA declarar que as Ciências da Educação NÃO SÃO CIENTÍFICAS, tal como a História não é uma Ciência, nem a Filosofia, nem a Sociologia, nem a Psicologia. E por que razão não me custa nada? Bom,porque o facto de uma coisa não ser científica não significa que não seja séria. Podemos chamr-lhes "Estudos Humanísticos", e não vejo por que razão passem a ser menos sérias. A Psicanálise não é uma ciência -- e ainda bem -- mas não é por isso que deixa de ser uma actividade séria e, eventualmente, muito útil a quem a ela recorre.Resta uma questão óbvia: e em que é que isto nos interessa?
Não será um mero debate intelectualóide?
Não apenas. As concepções filosóficas começam por ser assumidas nos circuitos académicos e acabam por estruturar a sociedade. Foi o que aconteceu com o pós-modernismo, que se consubstanciou no eduquês ao fim de 30 anos, só para dar um exemplo na educação. Repare-se: a opção neo-neopositivista aponta para a total desvalorização do estatuto científico da Psicologia, da Antropologia, da História, das "Ciências da Comunicação", das "Ciências da Educação", etc; o triunfo do positivismo será a eliminação da Filosofia - dos curricula e a eliminação total do discurso das ciências da educação das opções de política educativa. Ou seja, para sermos muito claros: trata-se de liquidar conceitos como os de "Escola Inclusiva" ("porque os meninos devem ser enviados para antros de deficientes ou escolas especiais onde fiquem bem escondidos"), "Projecto Educativo" ("porque os professores, os Mestres, devem recuperar a Autoridade Absoluta na gestão da Escola"), ...
Claro que este é um discurso demagógico, populista e perigoso...
3 comentários:
Este texto surpreendeu-me completamente.
No início parecia-me ir num sentido em que tiraria conclusões lineares. Nada disso aconteceu. Você acabou lançando um conjunto de conclusões provisórias e problemáticas que eu acho muito estimulantes.
acerca do debate que se vem mantendo no seu blog, no outroolhar e no ensinar na escola, tenho vindo a pensar que seria importante fazer um recuo histórico para saber onde estas problemáticas começaram. Acho que você deu uma boa achega.
As questões de natureza epistemológica que dividem as ciências humanas das ciências da natureza há muito tempo, as soluções ditas pós-modernas que tiveram expoentes de fraude que foram e muito bem denunciadas por Sockal (embora generalizando-as indevidamente na minha opinião) estão na base em parte de todo este debate ultimamente centrado nas ciências da educação. Gostaria mas não me vou alongar aqui. só quero dizer que acho possível haver Ciências Humanas. Não se esqueça que nas Ciências da Natureza também houve muitas fraudes e que não é por isso que elas podem deixar de ser Ciências.
Até à próxima
Obrigado pelas suas palavras. Repare que o que estou a dizer, tal como o Henrique escreveu, é que a posição dicotómica eduquês/anti-eduquês não esgota as possibilidades de resposta. Por isso fui buscar o Sócrates, o Rousseau, O Locke, o positivismo e o Sokal. Tenha eu tempo e colocarei alguns links que serão úteis para esclarecer todos estes pontos.
Caro Henrique,
Também acho possível que existam Ciências Humanas. Não afirmei o contrário. A tendência geral, no entanto, parece ir mais no sentido de elas perderem novamente grande parte do seu estatuto epistemológico. Entretanto, já a mesmíssima coisa foi feita com uma das ciências duras -- a Física -- o que veio complicar os dados do problema. Mas não tenho dúvidas de que o actual debate sobre as ciências da educação passa, em grande medida, pela velha "Guerra das Ciências".
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